Revolução Estética dos Povos Indígenas: Uma Nova Visão da Arte Contemporânea em Inhotim

Foto: Daniela Paoliello | Olinda Silvano – Kené: Força, Cura e Cosmologia – Painel mural, pintura sobre superfície arquitetônica, 2025. Povo Shipibo-Konibo – Peru

Em sua estreia no Inhotim, a exposição Maxita Yano apresenta obras que atravessam o tempo e o território, evocando memoriâncias, identidade e luta através da arte indígena contemporânea.

A partir de 26 de abril de 2025, o Instituto Inhotim, localizado em #Brumadinho, Minas Gerais, abriu as portas para uma nova exposição permanente na Galeria Claudia Andujar, agora renomeada Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano – “casa de terra” na língua Yanomami. Celebrando uma década desde sua inauguração em 2015, a mostra reúne obras fotográficas, audiovisuais e plásticas de 22 artistas indígenas da América do Sul, propondo um diálogo profundo entre a icônica fotógrafa Claudia Andujar e vozes contemporâneas indígenas. Com curadoria de Beatriz Lemos e assistência de Varusa, a exposição explora temas como ativismo, espiritualidade, território, identidade e o poder da imagem, reforçando o compromisso do Inhotim com a preservação cultural e a luta pelos direitos indígenas.

Claudia Andujar: Uma Vida de Arte e Militância

Claudia Andujar, nascida na Suíça em 1931, é uma das fotógrafas mais influentes de sua geração. Sua trajetória foi marcada por perdas durante a Segunda Guerra Mundial, quando sua família judaica foi vítima do genocídio nazista. Após migrar para os Estados Unidos e, em 1955, para o Brasil, Andujar encontrou na fotografia uma ferramenta para se conectar com a cultura brasileira. Seu primeiro contato com os Yanomami, em 1971, durante uma reportagem para a revista Realidade, transformou sua carreira. Diante das ameaças à floresta e aos povos indígenas, ela fundou a Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY), utilizando suas imagens como instrumento de denúncia e resistência.

Na Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano, suas fotografias – como as da série Rio Negro (1970-71), que capturam a Amazônia de perspectivas aéreas – convivem com obras de artistas indígenas contemporâneos. A nova expografia, concebida para destacar a potência política de Andujar, organiza a exposição em núcleos temáticos que convidam o público a refletir sobre a relação entre arte, território e luta.

Um Encontro de Vozes Indígenas

A exposição apresenta trabalhos de artistas brasileiros como Denilson Baniwa (AM), Paulo Desana (AM), Edgar Kanaykõ Xakriabá (MG), UŸRA (AM), Tayná Uràz (RJ), Graciela Guarani (MS), Alexandre Pankararu (PE) e Tiniá Pankararu Guarani (PE), além de nomes internacionais como Elvira Espejo Ayca (Bolívia), Julieth Morales (Colômbia), Olinda Silvano (Peru), David Díaz González (Peru) e Lanto’oy’ Unruh (Paraguai). A Hutukara Associação Yanomami, presidida pelo xamã Davi Kopenawa, assina a curadoria de uma sala dedicada à produção Yanomami, com vídeos de Morzaniel Iramari Yanomami, Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomami, além de 18 desenhos de artistas como Ehuana Yaira Yanomami e Joseca Mokahesi Yanomami.

O trajeto expositivo começa com as paisagens de Andujar, que dialogam com as fotoperformances de UŸRA, uma artista indígena em diáspora que transforma seu corpo em uma “árvore que anda”, narrando histórias da floresta. Na segunda sala, as fotografias de Andujar na região do rio Catrimani, onde conviveu por anos com os Yanomami, encontram eco nas obras de Elvira Espejo Ayca, que explora a memória e a identidade de sua comunidade Aymara e Kéchua. A grande sala central aborda espiritualidade, rituais e resistência, com contribuições de Graciela Guarani, Tayná Uràz e Julieth Morales, enquanto Edgar Kanaykõ Xakriabá utiliza a fotografia como ferramenta de luta pela terra.

Um núcleo impactante reflete os efeitos devastadores do contato com a sociedade não indígena, desde a construção da rodovia Perimetral Norte durante a ditadura militar até o garimpo ilegal. Aqui, Denilson Baniwa apresenta uma obra que mapeia a vulnerabilidade dos Yanomami na capital de Roraima, abordando questões sensíveis e com reflexos das transformações sociais impostas.

Foto: Icaro Moreno – Denilson Baniwa, 2025. Técnica aplicada: revelação fotográfica em cianotipia.

Denilson Baniwa, em seu trabalho comissionado pelo Inhotim, nos transporta para Boa Vista, Roraima, em 2025, propondo uma cartografia sensível e contundente da presença Yanomami em contexto urbano. Muito além de um exercício geográfico, sua obra configura-se como um dispositivo político de denúncia e afirmação, que evidencia as marcas do deslocamento forçado e da violência estrutural sofrida por este povo originário.

Ao inserir os Yanomami em uma paisagem urbana marcada pela marginalização, Denilson confronta diretamente o espectador com os efeitos da necropolítica vigente nos territórios indígenas: alcoolismo, dependência química, apagamento cultural e a persistente tentativa de desumanização. Esses sintomas, muitas vezes vistos apenas como “problemas sociais”, aqui ganham contexto histórico e colonial, tornando-se denúncias visuais de um sistema que, ao mesmo tempo em que saqueia os recursos naturais da Amazônia, desestrutura as bases coletivas e espirituais desses povos.

A obra, no entanto, não se limita à denúncia. Ao contrário, ela reverbera a dignidade Yanomami, evocando uma presença que resiste, persiste e se transforma. Denilson constrói um espaço de escuta e visibilidade onde a arte opera como contra-narrativa, insurgente e reparadora. Sua cartografia é, portanto, tanto um mapa de ausências provocadas quanto um gesto de afirmação: os Yanomami estão ali, mesmo que o Estado insista em não vê-los.

Entre o estético e o ético, Denilson Baniwa convoca a arte como mediadora de conflitos históricos e contemporâneos, propondo uma reflexão urgente sobre a cidade, os corpos indígenas deslocados e a luta por pertencimento em um país que ainda nega a sua própria origem.

Obras Comissionadas: Novas Narrativas Indígenas

O Inhotim reforça seu compromisso com a produção contemporânea ao comissionar obras exclusivas. Paulo Desana, em Os Espiritos da Floresta (2025), utiliza pintura corporal e experimentações com luz negra para evocar espíritos ancestrais das aldeias Arapowã Kakya (Xukuru Kariri) e Naô Xohã (Pataxó e Pataxó Hähähãe), localizadas em Brumadinho. A série combina memória comunitária com inovação visual, afirmando a identidade indígena.

Graciela Guarani, em Xe Née (2025) – “meu ser/minha vida” em Guarani Kaiowá –, documenta o cotidiano de sua aldeia no Mato Grosso do Sul. Suas imagens capturam a resiliência de um povo que enfrenta a redução territorial e invasões latifundiárias, destacando a beleza das práticas diárias como ato de resistência.

Hibrida (2025), de Alexandre Pankararu, Graciela Guarani e Tiniá Pankararu Guarani, é um filme que atravessa temporalidades, utilizando arquivos audiovisuais e estética futurista. A narrativa segue uma jovem indígena que, em um cenário cibernético, encontra inspiração em mensagens holográficas de lideranças históricas, reafirmando a continuidade da luta indígena.

Olinda Silvano, do povo Shipibo-Konibo, criou um painel de grandes dimensões com o kené, um sistema gráfico que combina geometria, cores vibrantes e cosmologia. Acompanhado por cânticos tradicionais, o kené é uma prática majoritariamente feminina, transmitida entre gerações, que funciona como ferramenta de cura e educação.

Sala Documental e Programa Público

A Sala Documental Claudia Andujar oferece uma imersão na trajetória da fotógrafa, com materiais do Centro de Documentação Indígena (CDI) e do Instituto Socioambiental (ISA). O espaço traça sua atuação como fotojornalista e ativista, desde seus primeiros registros na Amazônia até sua influência na arte e nos direitos indígenas, destacando a criação do Parque Yanomami.

Ao longo de 2025, um programa público curado por Marilia Loureiro promoverá diálogos com povos indígenas de Minas Gerais e em contexto urbano. Performances, shows e conversas explorarão a história e os desafios das comunidades locais, enquanto Olinda Silvano conectará o espaço interno da galeria ao exterior com um novo kené, reforçando a cosmologia Shipibo-Konibo.

A Armadilha da Arte: Capturando Curiosos para Falar de Causas Urgentes

UÝRA SODOMA é uma pessoa indígena em diáspora, habitante de Manaus, Amazonas, Brasil. Com dois espíritos (Travesti), ela é bióloga, mestra em Ecologia da Amazônia e atua como artista visual e arte-educadora junto a comunidades tradicionais.

Mora em um território industrial cercado pela floresta amazônica, onde se transforma para dar vida à sua persona artística conhecida como Árvore que Anda . Essa performance é sempre criada com elementos orgânicos, refletindo sua profunda conexão com a natureza e os ciclos da vida.

UÝRA utiliza o corpo como suporte para narrar histórias de diferentes naturezas por meio de fotos performances, performances e instalações. Seu trabalho explora temas relacionados aos sistemas vivos e suas violações, observando o mundo sob a ótica da diversidade, dissidência, funcionamento e adaptação. A partir dessa perspectiva, ela (re)conta histórias naturais, encantarias e diásporas presentes na paisagem floresta-cidade.

Com um olhar sensível e crítico, UÝRA une ciência e arte para trazer visibilidade às questões ambientais, culturais e sociais, destacando as conexões entre seres humanos, natureza e ancestralidade. Sua obra é um convite à reflexão sobre as múltiplas formas de existir e resistir no mundo contemporâneo.

Uma breve entrevista no meio da mata de Inhotim

Foto: Daniela Paoliello – Uýra Sodoma

O que é arte indígena para o Uýra?.  

Uyra: Eu não consigo ser guiada a pensar em arte sem a direção que Jaider (Esbell) me deixou e nos deixou.  Eu acho que é o meu primeiro e mais forte conceito do que penso em arte contemporânea. Nasce a partir das palavras de Jaider, que é essa armadilha, né, para capturar curiosos. E aí, essa captura, depois de capturados, depois de reunidos, esses curiosos, falar de coisas importantes.  

Antes de ouvir isso era o que eu fazia, e hoje eu faço guiada pelas palavras do nosso grande mestre e amigo. É, eu não consigo enxergar a arte sem ser para falar de coisas importantes. Coisas importantes às populações vulnerabilizadas, coisas importantes à justiça no mundo, sabe? Coisas importantes à manutenção da vida.  

Então, eu não consigo enxergar arte como uma mercadoria, enxergar arte somente como um aparato estético. É, senão político. Sempre a arte para mim foi uma ferramenta, uma ferramenta de luta. Não há outro caminho para o meu coração enxergar que não seja como uma ferramenta de luta, né? E enquanto sou uma pessoa indígena em contexto de diáspora, né?  

Dentro de família, né? Dentro de núcleos, dentro de um lugar, dentro de migrações da minha vida, é, esses… e dentro das nossas realidades, né, que vivemos, nessas Amazônias, tudo o que há é desgraça da qual fugir, é apagamento, é morte da qual escapar, sabe? E eu acho que é isso.  

A arte, se a política não quer papo com nós, eu acho que a arte ainda quer um papo, sabe? Então, é assim que eu vejo.

Os nossos antepassados e temos muitos antepassados, eles na condição presente agora, se você tivesse que conversar com essa galera para falar sobre isso tudo, o que é que você diria para eles agora nesse momento?  Estamos cercados, estamos no mato, estamos numa floresta, estamos numa região de massacre, estamos num lugar da desgraça, da economia, da usura, né? A gente está numa região muito tensa da lama. Mas os nossos antepassados estão aqui com a gente. O que você disse para eles agora? 

Uyra: Ah, primeiro eu peço uma benção.  

Uma benção e a licença para afirmar o que todo dia acordo no meu coração, que é a gente tá tentando ser bons e boas netos, boas e bons netos, de não esquecer, de não esquecer o que nos deixaram, né? Que foram caminhos abertos a sangue, né? Mas há muito sonho também. Então, o que eu diria, à minha Maria Unitz, minha bisavó, que eu nunca a encontrei, né?  

Mas ela anda comigo sempre, já vista, já senti muitas vezes. É que a gente busca honrá-la, sabe? Que buscamos, é, que somos esses sonhos, os sonhos dela, e que hoje a gente tá aqui para sonhar mais alto ainda, sonhar mais longe, sabe? Eu acho que é isso. 

E que você diria para os seus filhos espirituais que ainda vão vir?  

Uyra: Que herdem a luta e que consigam ter sonhos os mais bonitos possíveis.  

Que honrem as suas mãos livres, que honrem seus pés livres, que honrem ao máximo de liberdade que encontrarem com as suas línguas, que honrem cada visão que tiverem através da pele, dos olhos, do toque, dos cheiros, que honrem esses corpos um pouco mais livres.  

Reflexão final da prosa com Uýra

Ao final da conversa, emocionada, Uýra exclama: “Que pergunta foi essa, meu Deus. Que lindo.” Suas palavras ecoam um chamado urgente para que a arte continue sendo uma ponte entre passado, presente e futuro, celebrando a ancestralidade e lutando por um mundo mais justo e livre.  

Com sua sensibilidade e força, Uyra Sodoma nos lembra que a arte indígena não é apenas uma expressão cultural, mas uma ferramenta poderosa de resistência, memória e transformação. 

Hibridismo Cultural: Entre o Espiritual e o Contemporâneo

Foto: Daniela Paoliello | Híbrida (2025), Alexandre Pankararu, Graciela Guarani e Tiniá Pankararu Guarani

Em Híbrida (2025), Alexandre Pankararu, Graciela Guarani e Tiniá Pankararu Guarani costuram passado, presente e futuro por meio de uma narrativa audiovisual que atravessa temporalidades e territórios. Combinando acervo de arquivos indígenas, linguagem cinematográfica e estética futurista, a obra projeta para as novas gerações uma afirmação urgente: a luta dos povos indígenas não apenas continua, como se reinventa e se propaga, mesmo diante dos cenários mais distópicos.

Ambientado em um mundo cibernético, fragmentado e apático, o filme acompanha uma jovem indígena imersa na desesperança. Em meio ao vazio existencial e ao afastamento dos vínculos comunitários, ela se depara com hologramas de lideranças ancestrais que rompem o silêncio do tempo. Essas vozes do passado ecoam como guias espirituais e políticos, despertando nela — e em nós — a consciência da ancestralidade como tecnologia de resistência.

Mais do que ficção especulativa, Híbrida é um manifesto transgeracional. Dirigido, roteirizado e protagonizado por uma família indígena, o filme reafirma a centralidade do afeto, da memória e da coletividade no fazer artístico indígena contemporâneo. Ao revisitar marcos históricos do Brasil, o trio criativo evidencia que a luta indígena é sólida, ininterrupta e tecida por inúmeras lideranças — muitas delas ainda invisibilizadas pelas narrativas hegemônicas.

Assim, Híbrida propõe uma pedagogia do futuro enraizada no território ancestral: uma forma de educar para o amanhã sem perder o chão de onde se veio.

ENTREVISTA — Alexandre Pankararu

Alexandre Pankararu é produtor cultural, comunicador social, cineasta, designer e programador, pertencente à nação Pankararu. Atualmente, é coordenador de comunicação da APOINME (Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo). Foi formador audiovisual no projeto Vidas Paralelas Indígena , pela Universidade de Brasília (UnB), de 2012 a 2014, responsável pela co direção, câmera e edição do curta “O rio tem dono” (2012), além de co diretor do longa “My Blood is Red” (Needs Must Film).

Foi comunicador na Conferência Nacional de Políticas Indigenista, em 2015, atuando nas etapas local e regional do Baixo São Francisco, Nordeste I e Bahia Sul. Também foi videomaker do curso de formação em Política Nacional de Gestão Territorial Indígena, realizado pelo PNUD, GATI, Funai e MMA para as regiões Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, entre 2014 e 2015. Assinou a codireção, câmera e edição do curta “Terra Nua”, de 2014, exibido na Bienal de Cinema Indígena “Aldeia SP”, em 2016. Além disso, foi co-diretor e editor do curta “Mãos de Barros” (2016) e cineasta, monitor no projeto “Cinema de Índio”, entre 2018 e 2019.

Anápuàka Tupinambá: **Pronto, vamos lá.** Temos uma certa intimidade, né? Fique à vontade para as intimidades aqui. A ideia é falar muito sobre a arte, não apenas como exposição, mas também sobre a memória dessa arte e dessa história.

Como você chegou até aqui, com essas demandas que você enfrentou, principalmente você, Grazi e toda a família? 

Alexandre Pankararu: No primeiro momento em que estivemos aqui em Inhotim, nós não tínhamos incorporado a grandeza desse projeto, né? Essa exposição. Conhecemos outras obras, outros lugares, e saímos daqui com aquela sensação de ser mais uma atividade qualquer.

Porém, quando chegamos aqui no dia 24 e conhecemos todos os artistas, nos encontramos e criamos aquela afetividade entre nós. Chegamos com o espaço da exposição já montado, e foi algo muito grande, sabia? Eu me arrepiei todo. Do nada, fiquei arrepiado e até chorei. Porque começou a passar um filme na minha cabeça, sabe? Tudo o que a gente sofreu ao longo de mais de 20 anos nessa caminhada. Incertezas, porque não tínhamos nada certo na vida. Fazíamos um trabalho e esperávamos o próximo aparecer para ver se conseguiríamos comer. Dependíamos da ajuda de outras pessoas para sobreviver.  

Imaginávamos ampliar esse leque do audiovisual e das artes em geral, mas eu nunca imaginei fazer algo tão grandioso quanto essa exposição aqui no Museu do Iotí. Vejo tanta gente boa, gente da velha guarda e gente que está começando agora na arte. E toda a memória de sofrimento que tivemos ao longo dos tempos para chegar onde estamos agora veio à tona. Isso foi muito emocionante.  

Para nós, enquanto eu estava ali sentado vendo a galera trocando fotos e essas coisas, pensei: “Caramba, conseguimos!” Ainda falta muita coisa, precisamos regularizar, garantir que essa categoria do audiovisual e da arte indígena seja reconhecida como profissão de fato. Hoje, vemos a juventude indo para outros mercados de trabalho, como educação e saúde, muitas vezes por pressão das famílias. Antigamente, não havia ninguém no cinema ou no jornalismo, e hoje já estão surgindo pessoas fazendo faculdade de artes. Então, é um avanço. Mas ainda temos muito trabalho pela frente para chegar ao patamar de países como o Canadá.  

Bem, estamos caminhando. Antes, tínhamos poucos realizadores e poucos artistas, e agora você vê, nessa exposição, mais de 22 artistas indígenas da América Latina. Isso é surpreendente. É uma vitória para nós, que vem de uma luta social e da distância que enfrentamos. Nosso objetivo, desde o início com a arte visual, sempre foi ecoar a voz de nossos guerreiros que já partiram. Lembra que falávamos: “Vamos salvar e guardar nossa memória.”

E é isso. A memória que salvamos nos anos 2000 e 90 está sendo exposta aqui agora. A juventude terá o privilégio de ver isso, algo que nossa geração não tinha, porque ninguém registrou as pessoas dos anos 60, 50 ou 40. Também não havia como registrar antes. Agora, temos essa possibilidade e a riqueza dessa exposição, com vídeos, fotografias, desenhos e pinturas. É uma exposição muito rica.

Falando sobre os praiás, os rituais antigos que tanto admiramos… Sou até suspeito para falar, porque minha história com os Pankararu vem desse acolhimento. Sinto-me adotado pelos Pankararu historicamente. Mas, Alexandre Pankararu, filho dessa terra e desse povo praiá, se você tivesse que conversar com os mais antigos dos antigos praiás do seu povo, o que diria sobre a luta, o ativismo e a arte?

Alexandre Pankararu: Bom, o praiá, que é o ritual, é uma manifestação artística. Ele tem todo aquele contexto espiritual, mas também é arte. Cada praiá representa um elemento espiritual, um Deus da natureza. Cada praia representa um pássaro, uma árvore, uma pedra ou um peixe. Eles têm várias representações.  

O que eu diria para eles é o que digo todos os dias: gratidão. Porque são eles que nos dão força para lutar e nos protegem. Temos muita gratidão e só agradecemos. Mais agradecemos do que pedimos. Antes, estávamos falando que daríamos muito, mas nessas andanças, vivemos sapateando com perigo. Se estamos aqui conversando, é porque somos protegidos. Somos protegidos por nossos deuses e deusas, que não têm sexo. Para as pessoas entenderem, eles estão aqui conosco, nos protegendo. Tudo o que estamos dizendo aqui, eles estão presentes.

A exposição de vocês, que é essa interação artística e audiovisual, tem um tema híbrido, uma história do futuro olhando para o passado. Tenho outra pergunta. Se você tivesse que conversar agora com seus filhos espirituais futuros – que não têm a ver com genética, mas com pessoas que admiram o trabalho tanto seu quanto da Grazia, sua filha que participa, nasceu nesse local e já está aqui no rolê com vocês –, o que diria para esses filhos espirituais futuros sobre o que vocês fizeram a partir desse olhar do híbrido?

Alexandre Pankararu: Essa parada do híbrido foi muito doida, né? Ao longo do tempo, fomos nos distanciando. Não culpo a juventude nem essa nova geração; culpo a nós mesmos, porque estamos no meio-termo. Estamos entre os mais velhos, que acompanhamos e aprendemos, e os mais novos. Somos filhos desses mais novos e pais desses mais novos.  

De certa forma, não deixamos que eles passassem pelas dificuldades e violências que enfrentamos. Blindamos nossos filhos e, assim, acabamos quebrando a hegemonia do círculo. O que eu digo para os mais novos e para as futuras gerações é que mantenham esse círculo, porque o mundo acidental é quadrado. Até as pessoas na política falam das quatro linhas. Nós, não. Temos apenas uma linha, que é circular, onde estamos sempre inspirando o passado para projetar o futuro. Então, mantenham esse círculo e não deixem ele ficar quadrado.

Fim da prosa: Arte como Memória e Ponte para o Futuro

O hibridismo cultural é um dos temas centrais da entrevista com Alexandre Pankararu. Ele reflete sobre como a arte indígena contemporânea une elementos tradicionais (como os rituais praiás e as conexões espirituais ancestrais) com influências modernas, como o audiovisual e outras formas de expressão artística globalizada.

Na exposição na maior galeria a céu aberto do mundo,  Inhotim, essa dualidade se torna evidente. A arte exposta não é apenas uma representação do passado, mas também um diálogo com o presente e o futuro. Alexandre destaca que o hibridismo ocorre quando os artistas mesclam suas raízes culturais com novas linguagens e tecnologias, criando algo único e poderoso.

No entanto, ele faz um alerta importante: “Estamos no meio-termo.” Esse “meio-termo” refere-se à posição delicada entre os mais velhos (que carregam as tradições ancestrais) e os mais jovens (que estão imersos em um mundo globalizado). Para Alexandre, ao proteger os jovens das dificuldades enfrentadas pelas gerações anteriores, acabamos “blindando-os” e, assim, quebrando o ciclo natural da transmissão cultural.

Ele enfatiza que o mundo contemporâneo tende a ser “quadrado”, linear e fragmentado, enquanto a cultura indígena é circular, conectando passado, presente e futuro de forma contínua. Sua mensagem para as futuras gerações é clara: “Mantenham esse círculo, não deixem ele ficar quadrado.”

Por que o Hibridismo Importa?

O hibridismo não é apenas uma fusão de elementos antigos e novos; ele representa uma luta por identidade e sobrevivência cultural. Ao adotar novas tecnologias e linguagens artísticas, os Pankararu e outros povos indígenas conseguem amplificar suas vozes e alcançar novos públicos, garantindo que suas histórias e memórias não sejam apagadas. No entanto, Alexandre reforça que essa adoção deve ser feita sem perder a essência ancestral, mantendo viva a conexão com os antepassados e com os rituais sagrados.

Esse equilíbrio entre inovação e tradição é o que torna o hibridismo tão relevante na arte indígena atual. É uma forma de resistência cultural, garantindo que as próximas gerações continuem honrando suas raízes enquanto constroem novos caminhos.

Essa abordagem pode ser integrada à matéria ou conclusão para dar mais ênfase ao tema do hibridismo, conectando-o diretamente às reflexões de Alexandre sobre o futuro da arte indígena.

Painel que reúne tradição, espiritualidade e a potência visual do povo Shipibo-Konibo.

Realizada especialmente para a exposição Maxita Yano, a obra monumental de Olinda Reshinjabe Silvano conecta o espaço interno da galeria à sua exterioridade, ativando a arquitetura como corpo receptivo e transmissor da arte gráfica kené. Essa tradição do povo Shipibo-Konibo, majoritariamente exercida por mulheres, é composta por padrões geométricos entrelaçados com cantos de cura e visões espirituais. Em sua prática contemporânea, Olinda traduz saberes visionários em linhas que não são apenas ornamentais, mas sim códigos vivos da floresta, expressando a energia das plantas sagradas, seus ibo (donos espirituais), e os caminhos do koshi — a força vital que sustenta os mundos.

Ao trazer essa cosmografia visual para o Inhotim, Olinda reafirma o kené como instrumento de educação, resistência e ativismo indígena, fortalecendo a memória coletiva de seu povo e reencantando os modos de ver e habitar o espaço. Sua obra é, ao mesmo tempo, território, rezo e denúncia — um ato de beleza insurgente diante das violências coloniais que insistem em apagar as línguas, os corpos e as florestas.

Informações para Visitantes

A Galeria Claudia Andujar | Maxita Yano é uma exposição de longa duração, com classificação indicativa livre, aberta ao público a partir de 26 de abril de 2025. O Instituto Inhotim, localizado a 60 km de Belo Horizonte, é acessível pelas rodovias BR-381 e BR-040.

  • Horários: Quarta a sexta-feira, das 9h30 às 16h30; sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30. Em janeiro e julho, também abre às terças-feiras.
  • Ingressos: R$60 (inteira), R$30 (meia-entrada). Gratuito às quartas-feiras, no último domingo do mês, para moradores de Brumadinho cadastrados no programa Nosso Inhotim, crianças de 0 a 5 anos e patronos/parceiros. Consulte regras de gratuidade em inhotim.org.br.
  • Contato: +55 (31) 3571-9700, inhotim.org.br.
  • Imprensa: Amanda Viana, amendaviana@inhotim.org.br, +55 (31) 99764-6440.

A exposição conta com a Vale como Mantenedora Master, apoio da Embaixada e Consulado da Colômbia e do Peru, e parceria do Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), viabilizada pela Lei Federal de Incentivo à Cultura.

Um Marco na Arte e na Luta Indígena

A Revolução Estética dos Povos Indígenas não é uma simples inflexão no campo das artes — é uma ruptura epistêmica, um reposicionamento de mundos. Não se trata de ocupar um espaço que nos foi negado, mas de reencantar o território da arte com outras cosmologias, outras presenças, outras formas de ver e sentir.

A arte indígena nunca precisou da validação do sistema hegemônico. Ela sempre existiu, viva nos corpos, nos territórios, nos rituais, nos cantos, nos sonhos, nas memórias da floresta e do cerrado. O que agora se impõe não é uma adaptação ao circuito da arte contemporânea, mas um chamado à descolonização dos sentidos. Não pedimos licença: entramos como flecha, como grafismo, como canto que fura a tela branca da história da arte ocidental.

Para o olhar colonizado, ainda é chocante ver indígenas como artistas contemporâneos. Isso revela a limitação de um pensamento que separa o que chamam de “arte” daquilo que é “vida”. Mas nós nunca separamos. A ancestralidade é contemporânea. O que chamam de vanguarda, nós chamamos de continuidade.

O erro nunca esteve na nossa ausência — a ausência foi construída por um sistema que silenciou nossas vozes e museificou nossos corpos. Durante séculos nos empurraram para as margens, nos folclorizaram, nos estetizaram sem escuta. Enquanto isso, produzíamos cosmologias visuais complexas, políticas de existência, tecnologias do sensível que hoje transbordam o espaço expositivo.

Esta exposição, portanto, não é apenas uma mostra. É um grito que reverbera entre as paredes de um museu, que historicamente nos excluiu. É um espelho para os que ainda não foram capazes de nos ver além do estereótipo. É denúncia contra o racismo estrutural do sistema artístico e, ao mesmo tempo, um manifesto de beleza insurgente, de presença radical.

A ignorância sobre a arte indígena — tanto no Brasil quanto no circuito global — não é acaso, é política de apagamento. Esta revolução estética, que emerge dos territórios, das lutas, das aldeias urbanas e das cosmopoéticas indígenas, é uma contra-pedagogia do olhar. Não se trata apenas de estar na arte, mas de refazer o mundo a partir de nossos próprios modos de existir e narrar.

Nós não queremos mais permissão. Reexistimos. Criamos. Descolonizamos. Ocupamos.
A revolução já começou — e ela fala em muitas línguas, muitos cantos e muitos traços.

Por: Redação Rádio Yandê e Anápuàka M Tupinambá Hãhãhãe

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