
Sabia que falar Tupi já foi proibido por lei? Por que Pombal baniu as línguas indígenas? Como um veto presidencial em 2015 impediu o ensino de línguas indígenas no Brasil?Se há 274 línguas indígenas, por que só uma é oficial? A Constituição protege as línguas indígenas na prática? Por que traduzir a Constituição para o Nheengatu é histórico?
BRASIL | A proibição do uso e ensino de línguas indígenas no Brasil remonta a ações implementadas principalmente durante o governo do Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, que foi Primeiro-Ministro de Portugal entre 1750 e 1777. Em 1758, Pombal instituiu a proibição do ensino e uso do Tupi e outras línguas indígenas, estabelecendo o português como a única língua oficial do Brasil. Essa medida visava enfraquecer a influência da Igreja Católica, especialmente dos jesuítas, que utilizavam as línguas indígenas para evangelização e comunicação com os povos nativos.
A proibição não se limitou ao Tupi; outras línguas indígenas também foram alvo dessa política linguística. O objetivo era promover a assimilação dos indígenas à cultura portuguesa, eliminando gradualmente suas línguas e culturas originais. A imposição do português como única língua oficial foi uma estratégia para consolidar o controle colonial sobre os povos indígenas.
Além das medidas de Pombal, o contexto histórico brasileiro continuou a ser desfavorável para as línguas indígenas ao longo dos séculos seguintes. Durante o governo de Getúlio Vargas na década de 1940, novas restrições foram impostas, e durante o regime militar (1964-1985), houve um controle ainda mais rigoroso sobre a expressão cultural indígena, incluindo a proibição de transmissões em línguas indígenas em meios de comunicação.
Somente com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 é que os direitos linguísticos dos povos indígenas começaram a ser reconhecidos oficialmente, permitindo um espaço para o ensino em suas línguas nativas, embora essa prática ainda enfrente muitos desafios na implementação
Os Direitos Indígenas
Os artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 representam marcos fundamentais na proteção dos direitos dos povos indígenas no Brasil.
Artigo 231:
Este artigo reconhece aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, além dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Compete à União demarcar essas terras, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens. As terras tradicionalmente ocupadas destinam-se à posse permanente dos indígenas, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Tais terras são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas são imprescritíveis. A remoção de grupos indígenas de suas terras é vedada, salvo em casos excepcionais, como catástrofes ou no interesse da soberania nacional, sempre com garantia de retorno assim que possível.
Artigo 232:
Este artigo assegura que os indígenas, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo na defesa de seus direitos e interesses, com a intervenção do Ministério Público em todos os atos do processo.
Esses dispositivos constitucionais representam um avanço significativo no reconhecimento e proteção dos direitos dos povos indígenas no Brasil, garantindo-lhes autonomia e mecanismos legais para a defesa de seus interesses.
Educação Plural em Xeque: O Veto de Dilma e o Desafio de Incluir a História e Cultura Indígena no Currículo Escolar Brasileiro
A Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o Ministro da Educação, Fernando Haddad, assinando como co-responsável. Esta lei altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, e torna se um marco no reconhecimento da importância da história e cultura dos povos indígenas no Brasil nos currículos da educação básica.
Principais Pontos da Lei para os Povos Indígenas:
- Obrigatoriedade do Ensino: A lei determina que a história e a cultura dos povos indígenas sejam parte integrante do currículo oficial da rede de ensino pública e privada. Isso inclui:
- A valorização das contribuições indígenas para a formação cultural, social e econômica brasileira.
- O ensino das tradições, organização social, línguas, costumes e práticas indígenas.
- Contexto Histórico e Cultural: A abordagem deve ir além da história colonial e incluir perspectivas que respeitem e destaquem a riqueza e diversidade das culturas indígenas, desconstruindo estereótipos e preconceitos.
- Interdisciplinaridade: O conteúdo sobre os povos indígenas deve ser trabalhado de forma interdisciplinar, abrangendo disciplinas como história, geografia, artes e literatura. Isso visa apresentar uma visão ampla e integrada das contribuições indígenas.
- Material Didático e Formação de Professores:
- A lei incentiva a criação de materiais didáticos que respeitem a autenticidade e a diversidade das culturas indígenas.
- Também reforça a necessidade de capacitação de professores para tratar o tema de forma adequada e respeitosa, com suporte de especialistas indígenas.
Importância para os Povos Indígenas:
- Reconhecimento e Valorização: A lei representa um avanço no reconhecimento das culturas indígenas como parte fundamental da identidade brasileira.
- Combate ao Preconceito: Ao incluir a história e as culturas indígenas no ensino, a lei contribui para desconstruir visões preconceituosas e marginalizadoras.
- Fortalecimento da Identidade: Para as crianças indígenas, a presença de suas histórias e culturas no currículo fortalece sua identidade e autoestima.
- Construção de uma Educação Inclusiva: A inclusão do tema no ensino regular promove uma educação mais inclusiva e plural, refletindo a diversidade do país.
Desafios na Implementação:
Apesar dos avanços, a implementação da Lei nº 11.645/08 ainda enfrenta desafios, como:
- A falta de formação adequada de professores para lidar com a temática indígena.
- A escassez de materiais didáticos elaborados por indígenas ou com suas contribuições diretas.
- A resistência de algumas escolas e redes de ensino em inserir efetivamente o tema nos currículos.
- A falta de regulamentação nas secretarias de educação nos estados e municípios da federação
A Lei nº 11.645/08 é um passo significativo para reconhecer e valorizar a riqueza cultural dos povos indígenas no Brasil. No entanto, sua plena efetivação depende de políticas públicas consistentes, parcerias com lideranças indígenas e um esforço contínuo para garantir que a diversidade cultural do país seja respeitada e celebrada nas salas de aula.
O Veto Presidencial do Holocausto Indígena: Retrocesso na Democracia e na Valorização das Línguas Indígenas no Sistema Educacional Brasileiro
Em 29 de dezembro de 2015, a então presidente Dilma Rousseff, atual presidenta do Briscs vetou integralmente o Projeto de Lei nº 5.944/2013, de autoria do senador Cristovam Buarque. Este projeto visava ampliar o uso de línguas indígenas e processos próprios de avaliação escolar para além do ensino fundamental, abrangendo também os níveis médio, profissionalizante e superior. A justificativa oficial para o veto foi que a proposta imporia uma obrigação demasiadamente ampla e de difícil implementação, devido à grande variedade de comunidades e línguas indígenas no Brasil.
O veto gerou críticas de organizações indígenas e especialistas em educação, que o consideraram um retrocesso na valorização das línguas e culturas indígenas no sistema educacional brasileiro. A Rede de Cooperação Amazônica (RCA) afirmou que a decisão demonstra uma visão governamental que considera a diversidade cultural e linguística indígena como um problema, em desacordo com a Constituição Federal.
A professora indígena Poty Poran Turiba Carlos, do povo Guarani, questionou onde estão os direitos garantidos pela Constituição de 1988, que assegura processos próprios de educação para os povos indígenas. a ex coordenadora executiva Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a atual ministra do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), avaliou na época que o governo priorizava línguas estrangeiras em detrimento das línguas maternas indígenas.
A antropóloga e linguista Bruna Franchetto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que o veto representa um golpe fatal para uma educação indígena já limitada e frágil, ignorando a riqueza representada pela diversidade de cerca de 160 línguas indígenas no país.
O Instituto Latino-Americano de Artes Cultura e História (ILAACH) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) também se manifestou contra o veto, classificando-o como um desrespeito às conquistas dos povos indígenas por uma educação escolar específica e diferenciada.
O governo justificou o veto alegando que a proposta imporia uma obrigação demasiadamente ampla e de difícil implementação, devido à grande variedade de povos indigenas (305) e línguas indígenas (274) no país.
Politicamente, esse veto foi considerado um retrocesso e um crime na valorização da diversidade cultural e linguística do Brasil, contrariando os avanços previstos na Constituição de 1988, que reconhece os direitos dos povos indígenas, incluindo o uso de suas línguas e tradições.
Do ponto de vista educacional, o veto impediu a implementação de práticas que valorizam as línguas indígenas como ferramentas de ensino. Estudos indicam que a educação bilíngue ou multilíngue, que incorpora as línguas maternas dos alunos, contribui para melhores resultados educacionais e para a preservação das culturas indígenas.
Socialmente, o veto perpetuou a marginalização histórica dos povos indígenas, ao desvalorizar suas línguas e métodos educativos próprios. Essa postura contribui para a invisibilidade social dessas comunidades e para a erosão de suas identidades culturais.
O veto ao Projeto de Lei nº 5.944/2013 representou um obstáculo significativo para a valorização das línguas e culturas indígenas no sistema educacional brasileiro, com implicações negativas nas esferas política, educacional e social.
Impacto Leve?:
- Desmotivação Educacional: A ausência de reconhecimento formal das línguas indígenas nos currículos escolares pode levar a uma desmotivação entre estudantes indígenas, que não veem sua cultura valorizada no ambiente educacional.
Impactos Médios:
- Perda Gradual de Falantes: Sem o incentivo ao uso das línguas indígenas nas escolas, há um risco de diminuição no número de falantes, especialmente entre as gerações mais jovens, comprometendo a transmissão intergeracional dessas línguas.
- Desigualdade Educacional: A falta de políticas que integrem as línguas indígenas pode perpetuar desigualdades no acesso e na qualidade da educação oferecida a estudantes indígenas, dificultando seu pleno desenvolvimento acadêmico.
Impactos Graves:
- Erosão Cultural: A não implementação de políticas educacionais que promovam as línguas indígenas contribui para a erosão das culturas indígenas, uma vez que a língua é um dos principais vetores de transmissão de conhecimentos, tradições e identidades culturais.
- Desconexão Identitária: Estudantes indígenas podem sentir-se desconectados de suas raízes culturais, enfrentando crises de identidade ao perceberem que sua língua materna não é valorizada no sistema educacional.
Impactos Gravíssimos:
- Extinção de Línguas: A longo prazo, a falta de apoio institucional pode levar à extinção de línguas indígenas, resultando na perda irreparável de patrimônios linguísticos e culturais únicos.
- Empobrecimento Cultural Nacional: A diminuição da diversidade linguística e cultural enfraquece o tecido social brasileiro, reduzindo a riqueza cultural que caracteriza o país e limitando a compreensão e valorização da pluralidade que o compõem.
O veto ao PL nº 5.944/2013 poderá ter mais consequências profundas e duradouras, desde impactos imediatos na motivação e desempenho educacional de estudantes indígenas até efeitos irreversíveis na preservação das línguas e culturas indígenas, afetando negativamente a diversidade cultural que é fundamental para a identidade nacional brasileira.
Em julho de 2023, foi lançada a primeira tradução oficial da Constituição Federal para a língua indígena Nheengatu, representando um passo significativo na valorização e reconhecimento das línguas indígenas no Brasil.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber, lançou 19 de julho de 2023, a primeira Constituição brasileira traduzida para a língua indígena – o Nheengatu. A cerimônia foi realizada na maloca da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), no município de São Gabriel da Cachoeira (AM).
“Levamos 523 anos para chegar a este momento, que considero histórico”, afirmou durante a solenidade. A ministra afirmou que não falaria como Rosa Weber, mas como Raminah Kanamari, nome indígena com o qual foi batizada no Vale do Javari (AM). E assim, destacou que a partir da Constituição Cidadã, os indígenas passaram a ter seus direitos reconhecidos e não serem mais “meros indivíduos tutelados”. Ela acrescentou que a tradução “é um gesto de valorização e respeito à cultura e à língua indígena”.
Esses eventos históricos e contemporâneos refletem a complexa e a conflituosa relação entre o Estado brasileiro e os povos indígenas e as línguas indígenas, evidenciando avanços e desafios na promoção e preservação da diversidade linguística do país.
Sem Indígenas, Sem Língua, Sem Brasil
O Brasil, enquanto conceito de nação, desmorona sem seus povos indígenas. Isso não é um argumento ideológico, mas uma realidade incontornável sob qualquer perspectiva – política, social, histórica ou jurídica. Sem indígenas, o Brasil perde sua base identitária e se desfaz como um castelo de areia.
E não é só sobre território. Sem indígenas, não há língua para preservar. O apagamento das línguas indígenas não acontece no vácuo. Ele acompanha o apagamento dos próprios povos indígenas. Não se pode dissociar a existência de um idioma da existência do povo que o fala. A extinção de uma língua é o sintoma final de um genocídio cultural.
Proteger as línguas indígenas não é só sobre traduzir documentos ou incluir palavras nos livros de história. É sobre proteger a pessoa indígena! Não importa se ela vive em aldeias, comunidades, reservas, parques ou nas cidades, sua existência é a garantia da continuidade das línguas.
Sem indígenas, não há falantes. Sem falantes, não há língua para preservar ou ressurgir.
Enquanto políticas de apagamento seguem atacando os direitos dos povos indígenas, as línguas seguem desaparecendo junto com eles. Proteger os territórios, garantir direitos e fortalecer a presença indígena na sociedade é a única forma real de manter as línguas vivas.
Ao longo da história, o Estado brasileiro imposicionou o português como única língua oficial, proibindo o Tupi e outras línguas indígenas desde o século XVIII. No século XXI, um veto presidencial impediu que as línguas indígenas fossem amplamente integradas ao sistema educacional. O Estado insiste em tratar a diversidade linguística indígena como um obstáculo, quando, na verdade, é a base da identidade nacional.
A Constituição de 1988 reconhece os direitos dos povos indígenas sobre seus territórios, culturas e línguas. Mas na prática, esses direitos são constantemente violados, seja pelo não reconhecimento territorial, pela negação da educação bilíngue ou pela marginalização dos falantes de línguas indígenas, especialmente nas cidades.
Se o Brasil se autoproclama uma nação multicultural, mas não protege seus povos e suas línguas originárias, essa diversidade é uma farsa.
Sem indígenas, não há Brasil. Sem suas línguas, não há identidade. Quem nega isso nega a própria base da existência nacional.
Lembre-se: Não basta reconhecer a diversidade linguística, é preciso garantir que os povos indígenas possam viver e falar suas línguas onde quer que estejam!
Anápuàka M. Tupinambá Hãhãhãe | @anapuakatupinamba
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Uma resposta
Conteúdo importante bem fundamentado pata o processo de retomada das identidades indígenas ho pury!