
A vida é feita de surpresas; cada dia, uma nova revelação. É Zahy Tentehar quem hoje nos traz essas revelações com a publicação literária “Azira’i”, pela editora Cabogó, em parceria com Duda Rios. Assim que ela esteve no Museu da Cultura Puri, na Aldeia Vertical no Estácio – RJ, e falou da publicação, fiquei atento. Logo que lançaram, fiz a encomenda, que chegou bem rápido.
Assim que abri, vi o prefácio de Ailton Krenak que, com suas palavras de sabedoria, gentileza e profundidade de sentimentos, faz uma reflexão sobre o que é essa literatura indígena contemporânea com “Fábula não Sangra”, exorcizando os estigmas do mercado editorial brasileiro com as reproduções folclóricas de extermínio das culturas indígenas, que sonham em colocá-las num passado e que não existem mais. RELUTAM em rotular a cultura dos povos originários, que é a base da estrutura nacional.
Ele pontua: “Ouvimos uma língua e ficamos tentando acompanhar o movimento dessa fala. Imagina milhares de falas. Milhares delas silenciadas. E nós damos de cara com disposição generosa, até pra ensinar a gramática da língua materna, mostrando como se compõe uma palavra, como se pronuncia”.
“Nós somos convidados, como esses povos são capazes de ser contemporâneos de tudo, e continuam sendo fiéis a si mesmos, sem trair suas memórias.”
“Vocês têm teatro, vocês têm Cinema, vocês têm literatura? … Eu quero ver é quem consegue ficar ESPIRITADO com a arte teatral do ocidente. Nós ganhamos esse presente. NÓS somos espiritados.”
“Zahy está abrindo o caminho para outros que virão, para que também contem a nossa história: a história das nossas mães, das nossas avós, dos nossos pais…”
“Nós vivemos num mundo de tanta falsidade, que mostrar os segredos de nossas famílias é um risco. Tem que ter coração puro, porque é mais fácil você criar uma fábula e mostrar ela em cena. FÁBULA NÃO SANGRA.”
Então, depois dessa lindeza de descrição do Mestre-sala das palavras, mergulhei na leitura do livro. Depois de ter assistido ao espetáculo da peça “Azira’i”, encenada por Zahy com sua voz encantadora, pude ver o quanto ela tinha crescido como ser e profissional. Tive a oportunidade de conhecê-la quando chegou na Aldeia Maracanã, onde moramos durante anos e fazíamos o encontro para contar nossas histórias. Zahy foi a primeira professora num curso de língua Tupy no espaço; depois, ela foi estudar teatro no Tablado, fotografia, modelo, e nas noites da Aldeia Vertical cantávamos, sonhávamos e gravávamos nossas músicas. Ela fez minha primeira bela foto, que tenho até hoje.
O tempo passou e, quando entrei no teatro e vi sua performance, viajei no tempo de sua beleza. E gritei: “Agiu friamente, né, Zay?” Bem-te-vi, gorgeios de pássaros, banhos de rios no Maranhão, quintais com cachorros, fogueira, histórias boas e tristes, com luz e escuridão, noite e dia, céu azul, sol escaldante – a saga da família que tem que deixar sua terra, sua Aldeia para sobreviver. Família grande, lutadora, vencendo as intempéries do tempo, vai em frente.

As histórias cantadas na língua Ze’engue te ou das músicas lindas, Zahy canta: “Tem gosto de lua na minha boca, cratera de lua na minha mão, tem brilho de Lua na água dos olhos, tem lua rodando minha inspiração…” – só uma pitadinha para vocês lerem no livro.
KWARAHỲ abre uma carta e lê para sua mãe, contando sua história e de sua mãe. As ilustrações foram feitas com esmero por Mari Taboada. Precisamos também lembrar do trabalho de direção de Denise Stutz. Peça o seu livro e conheça um pouco do Braz engue té “Azira’i” – Um musical de memórias. Agradeço a coragem e o belo trabalho, tsate ho Pury Shambona!
Dauá Puri é colunista da Rádio Yandê e ativista cultural. Suas colunas abordam arte, cultura e resistência dos povos originários.
Tags: #LiteraturaIndígena, #Arte, #Cultura, #Resistência, #RadioYande
Uma resposta
Texto incrível!