O olhar indígena sobre fraudes identitárias, cotas, e os “Frankensteins Indigenas”, e como combater o racismo e a apropriação cultural no Brasil.
No Brasil, a identidade indígena não é apenas uma questão cultural, mas uma vivência profunda, enraizada na história e na ancestralidade de cada povo originário. Contudo, nos últimos anos, a identidade indígena tem sido alvo de apropriação e fraudes. Pessoas que não pertencem a comunidades indígenas passam por indígenas, em busca de benefícios, visibilidade e prestígio. Esses etnoimpostores – conhecidos também como Indifarsas, Indifarsantes ou “Frankensteins Indígenas” – se apropriam da verdadeira luta e do reconhecimento dos povos originários para obter vantagens múltiplas. Além disso, perpetuam o racismo estrutural, que invisibiliza as vozes indígenas legítimas.
Os “Etnoimpostores” é um termo que descreve pessoas que, sem ser parte de uma comunidade indígena, se fazem passar por indígenas com o objetivo de obter vantagens sociais, políticas ou econômicas. Essas pessoas se apropriam da identidade indígena de maneira fraudulenta, prejudicando o reconhecimento e a luta legítima dos povos originários.
O termo “Frankensteins Indígenas” faz referência a uma metáfora, comparando indivíduos que se apropriam da identidade indígena de forma fraudulenta com a criação do monstro de Frankenstein, personagem da obra clássica de Mary Shelley. Na história, o monstro de Frankenstein é uma criatura feita a partir de partes de diferentes corpos, sem uma história ou memória ou essência própria, e que, por consequência, não pertence verdadeiramente a nenhum grupo ou ser original.
Quando se fala em “Frankensteins Indígenas”, o termo faz alusão a pessoas que, ao se apropriarem de elementos das culturas e personalidades individual ou coletiva indígena, acabam criando uma “identidade indígena” artificial ou desfigurada, sem conexão genuína com os povos indígenas. Essas pessoas são vistas como “monstros” da identidade, pois, assim como o monstro de Frankenstein, são uma criação híbrida e descontextualizada, que não tem legitimidade ou vínculo real com a cultura e a ancestralidade indígena.
A metáfora apresentada sugere que esses indivíduos apropriam-se de fragmentos da cultura indígena para construir uma identidade artificial, moldada exclusivamente para atender aos seus próprios interesses. Essa identidade fabricada desrespeita e distorce o verdadeiro significado de ser indígena, ignorando a legitimidade e a ancestralidade dos povos originários.
A Expansão das Fraudes Identitárias:
No Brasil, esse tipo de fraude é multifacetado. Em um cenário artístico, por exemplo, Indifarsantes usam elementos da culturas indígenas, como cantos, historias e memorias, pinturas corporais e adereços, para se promoverem como “artistas indígenas”, sem ter qualquer ligação real com as comunidades. Ao fazer isso, oferecem oportunidades em exposições, prêmios e editais especiais para minorias, enquanto desvalorizam o trabalho de verdadeiros artistas indígenas.
Na academia, etnoimpostores frequentemente se autodeclaram indígenas para acessar vagas específicas a ações afirmativas, ou para participar de eventos e discussões que tratam das questões dos povos originários. Esses falsos indígenas perderam os recursos, as oportunidades e, mais importante, as vozes autênticas que deveriam ser ouvidas.
Por que nomear é necessário:
A ausência de um termo claro para descrever essa prática no Brasil não apenas dificulta o debate público, mas também impede que ações concretas sejam tomadas para combatê-la. Em países como os Estados Unidos, o termo “pretendiano” já facilita a identificação de fraudes identitárias. No Brasil, os termos “Indifarsantes“, “Indifarsas” ou “etnoimpostores” podem desempenhar um papel semelhante, permitindo um reconhecimento mais amplo desse problema e fortalecendo o combate à apropriação cultural.
Nomear essas práticas é um passo extremamente fundamental. Quando um problema é nomeado, ele é reconhecido pela sociedade, facilitando o combate a ele. A criação de termos como esses ajuda a identificar claramente quem são as pessoas que usam a identidade indígena de maneira oportunista, promovendo um debate mais amplo sobre os efeitos desse comportamento.
Fraudes Identitárias e Racismo Estrutural:
Além de oportunidades de roubo legítimas dos povos indígenas, os indifarsantes também perpetuam uma forma insidiosa de racismo. Ao se apropriarem da identidade indígena, eles mantêm ideias coloniais vivas que tratam os povos indígenas como exóticos ou como elementos estéticos a serem usados para ganho pessoal. Essa apropriação desumaniza as populações originárias, relegando-as ao papel de objeto de curiosidade ou de “temática” cultural, e não de protagonistas de suas próprias histórias e lutas.
O racismo estrutural contra os povos indígenas não é apenas na invisibilidade social ou na discriminação explícita, mas também no uso indevido de sua cultura e identidade para benefício de outros. Quando um Indifarsante ganha visibilidade ou acesso a recursos que deveriam ser destinados aos indígenas verdadeiros, ele reforça essa estrutura de exclusão e apagamento.
Impacto nas Comunidades Indígenas:
Essa apropriação afeta diretamente a sobrevivência cultural e territorial das comunidades indígenas, dificultando o acesso a recursos essenciais e prejudicando a visibilidade das verdadeiras lideranças. Combater essas práticas é fundamental para garantir que os povos originários sejam respeitados e possam continuar lutando por seus direitos, sua identidade e sua ancestralidade. Quando um indifarsante ou etnoimpostor ocupa espaços de debate ou de expressão artística, as vozes verdadeiramente indígenas são silenciadas, fazendo a manutenção e continuidade do holocausto indígena.
Além disso, o desvio de recursos – sejam financeiros ou relacionados à visibilidade – compromete diretamente o desenvolvimento de projetos culturais e sociais nas comunidades indígenas. Editais, cotas e programas que deveriam apoiar a produção artística, social, cultural ou a pesquisa acadêmica de indígenas autênticos acabam sendo destinados a indivíduos sem qualquer vínculo real com essas causas, prejudicando a legítima representatividade e o progresso das populações originárias/indígenas. Essa prática não apenas configura crime, fraude, falsidade ideológica, mas também enfraquece iniciativas que visam fortalecer a identidade, protagonismo e a autonomia dos povos indígenas.
Propostas de Combate ao Racismo e às Fraudes Identitárias:
Para enfrentar essas práticas, precisamos de um esforço coletivo que envolva tanto as instituições quanto a sociedade civil. Aqui estão algumas propostas estruturais para combater o racismo e a ação dos etnoimpostores , indifarsantes e indifarsas :
- Criação de Mecanismos de Validação Comunitária: As instituições culturais, acadêmicas e de fomento precisam adotar critérios mais específicos de verificação da identidade indígena. Isso pode ser feito por meio de validação comunitária, em que lideranças indígenas são consultadas para garantir que as pessoas que reivindicam essa identidade tenham vínculos legítimos com suas comunidades.
- Educação e Conscientização Pública: Campanhas de conscientização são essenciais para que a sociedade entenda o que é indígena no Brasil. A identidade indígena vai muito além de adereços ou símbolos superficiais. Trata-se de uma vivência diária e profunda, ligada ao território, à cultura e às tradições ancestrais. Informar a população sobre o que realmente significa ser indígena é fundamental para combater estereótipos e prevenir a ação dos indifarsantes .
- Incentivo à Produção de Artistas e Intelectuais Indígenas: A criação de editais e programas exclusivos para artistas e pesquisadores indígenas, com critérios de validação adequados, pode ajudar a garantir que os recursos sejam realmente destinados às pessoas que fazem parte das comunidades. Além disso, é importante fortalecer a visibilidade e o protagonismo dos indígenas nos espaços de poder e decisão, tanto na arte quanto na academia.
- Combate Legal à Fraude Identitária: Propostas legislativas para combater a fraude identitária serão debatidas, com o objetivo de garantir que os recursos destinados a ações afirmativas ou políticas públicas cheguem aos povos originários. O uso indevido da identidade indígena para obter benefícios deve ser tratado como uma fraude que requer avaliações legais.
O uso indevido da identidade indígena pelos indifarsantes , indifarsas e etnoimpostores é uma forma de racismo estrutural que silencia as verdadeiras vozes indígenas e perpetua a apropriação cultural. Combater essas práticas exige a união de esforços para criar mecanismos de validação, conscientizar a sociedade sobre a riqueza e a complexidade das culturas indígenas, e garantir que os recursos sejam realmente destinados a quem tem direito.
A luta contra a fraude identitária é, em essência, uma luta por respeito e paridade. É o reconhecimento de que os povos indígenas não são um símbolo estático do passado, mas protagonistas do presente e do futuro, com direito à preservação de suas culturas e à expressão de suas próprias narrativas.
Vamos pensar sobre e vamos combater.
“Seja um bom ancestral hoje!” – Anápuàka M. Tupinambá Hãhãhãe | @anapuakatupinamba
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Respostas de 5
Não poderia deixar de comentar essa magnífica matéria pois sou cacique caboquinho potiguara e vejo o que está acontecendo com os autos declarados tomando todos os espaços dos verdadeiros originarios. Gostaria de fazer parte dessa equipe.pois historiador e tenho essa preocupação.
Eu concordo com a matéria é muito doloroso ver a luta que ainda continua árdua ser tomada por alto declarados que se apropria de todos os esforços diminuindo a credibilidade dos legítimos e ainda se apropriando de direitos que nem temos para todos
Concordo com as observações mas a confusão é bem maior que a apresentada no texto. Um problema são as brigas e disputas internas em algumas etnias. Não haverá reconhecimento dos adversários… Outro problema são as culturas em cada etnia onde, em algumas, ainda vigora o “cunhadismo” que incorpora a pessoa para sempre na etnia mesmo findo o casamento. Outro problema ainda são os “batismos”, quando pessoas brancas que por consideração honrosa são batizados e passas a assumir uma identidade étnica mesmo sendo reprodutores da cultura branca. Outro problema, ainda, são as etnias historicamente extintas ao qual pessoas se autodeclaram membros, não havendo meios culturais de dizer se é ou não legítima para representar ou falar como indígena. Por fim, nestas situações se enquadram pessoas de boa e de má índole, que agem geralmente em prejuízo das comunidades originárias…
Correto
Olá, todo bem? Bem, esse texto levanta uma questão muito complexo e delicado. Me parece querer fazer aquela frase disivosria de “índio tem estar na aldeia”, “índio urbano e índio da aldeia”, “índio tem que falar a lingua”, “índio deve estudar cultura e tradicoes” e por aí, vai! Bem, o que quero dizer com isso, para gente tomar muito cuidado a descrever essa situação. Pois hoje em dia, há Indígena com a pele branca, preta e morena. Há indigena em grandes, médios e pequenos centros urbanos, há indigenas em aldeias, indigenas isolados, cabelos lisos e enrolados, há quem fala e não fala língua da sua etnia, etc. Então, não dá pra dizer quem eh e não eh, caminho que pode explicar isso é a história e ancestralidade de cada um e autodeclaracao. Bem como uso de artes e adereços indigenas. Por exemplo, no meu povo, em tempo antigo, coçar é usado apenas pelos líderes e no momento festivo, as mulheres não usavam esse adereço. Mas não por isso vou julgar a Célia Xakriaba, Sônia Guajajara e outros, pois não sei como é na cultura e tradição dos povos delas…! Por isso que estou dizendo que esse assunto é complexo e delicado…!