
Editorial: Autodeterminação e Dinamismo Cultural
As culturas indígenas sempre foram dinâmicas. Nossos antepassados nunca viveram isolados no tempo. Sempre aprendemos com a terra, com os ciclos da natureza, com os espíritos e com os encontros entre os povos. Mas essas mudanças sempre foram conduzidas por nós, dentro das nossas formas de organização, respeitando nossos modos de ser, pensar e viver. O que não podemos aceitar é que nos digam como devemos mudar, que nos forcem a abandonar nossas raízes para caber num modelo que não é o nosso. Isso cabe a nós decidir.
Hoje, enfrentamos desafios que vêm de fora, como o avanço do mercado sobre nossos territórios, as políticas públicas que não nos ouvem ou nos desrespeitam, é uma cultura dominante que tenta nos colocar à margem, como se fôssemos apenas um passado. Mas estamos vivos. Nossas línguas ainda são faladas, nossas danças ainda carimbam o chão, nossos cantos ainda ecoam, nossas rezas ainda nos conectam ao mundo. A globalização pode nos atingir, mas não pode nos apagar. Pelo contrário, podemos usar suas ferramentas para contar nossas histórias e afirmar quem somos em qualquer lugar onde estivermos.
Quando somos nós que decidimos como vamos nos transformar, essa mudança é força, é crescimento, é reafirmação. A tecnologia, por exemplo, tem sido uma grande aliada na revitalização de nossas línguas e na construção de narrativas próprias. Não precisamos que traduzam por nós; falamos por nós mesmos, escrevemos, gravamos, compartilhamos, pois só conseguem fazer versão de nós. Nossa música, nosso cinema, nossa arte têm mostrado ao mundo que ser indígena não é estar preso ao passado, mas sim caminhar com nossos pés na terra e nossa mente aberta para o presente e um possível futuro.
Nossa resistência não é apenas dizer “não” às imposições externas, ou frases de efeito de marketing indigenistas e indígenas da políticagem, mas também criar, inovar, fortalecer nossos próprios caminhos. Educação é um exemplo claro disso. Durante muito tempo, tentaram nos ensinar a partir de um modelo que não nos representa. Hoje, estamos retomando nossas próprias formas de ensino, em que as crianças aprendem não só o que está nos livros, mas também o que está na floresta, no céu, na fala dos mais velhos. A escola indígena não é apenas um espaço de ensino, mas de fortalecimento cultural, de troca entre gerações, de fortalecimento da nossa identidade.
Uma comunicação conceituada em Etnomídia Indígena tem uma força ímpar na autodeterminação e no Dinamismo Cultural, pois amplifica nossas vozes em espaços que antes nos silenciavam. Por meio dela, construímos pontes entre o tradicional e o contemporâneo, offline ou online, usando ferramentas analógicas e digitais como vídeos, podcasts e redes sociais para registrar nossas línguas, narrar nossas lutas e compartilhar nossas visões de mundo. Não se trata apenas de preservar o que fomos, mas de afirmar quem somos e o que queremos ser, em diálogo com as novas gerações e com o mundo que nos cerca. Essa mídia, feita por nós e para nós, rompe com as narrativas impostas que nos reduziam a estereótipos ou a um passado distante, e nos coloca como protagonistas ativos do presente.
Essa força comunicativa também se conecta à nossa resistência territorial e econômica. Ao denunciar invasões, como o garimpo e o desmatamento, a Etnomídia Indígena não só protege nossas terras, mas também educa outros povos sobre a importância do bem viver e da sustentabilidade que sempre praticamos. É um grito que ecoa além das aldeias, alcançando aliados e exigindo do Estado o reconhecimento de nossos direitos. Da mesma forma, ao divulgar empreendimentos indígenas, mostramos que nossa economia — baseada na coletividade e no respeito à terra — é uma alternativa viva ao modelo predatório que nos ameaça.
Assim como a educação indígena fortalece nossa identidade nas escolas, a etnomídia indígena reforça nossa presença no mundo digital e global, garantindo que as mudanças que enfrentamos sejam guiadas por nossas mãos. É mais uma ferramenta de criação e inovação, um espaço onde nossas danças, cantos, memórias e histórias não apenas sobrevivem, mas se renovam, inspirando-nos a sermos bons antepassados para os que virão. Com ela, seguimos escrevendo nossa ruptura, nossa continuidade e nosso futuro, sempre sob nossos próprios termos.
A economia também precisa ser pensada a partir de nossos valores. O mercado capitalista muitas vezes nos vê apenas como mão de obra, figurantes de suas cenas ( o meu amigo “índio”, o Abril Indigena está chegando) ou como exotismo para vender. Mas nós temos nossas próprias formas de gerar riqueza, baseadas no bem viver, na coletividade e na sustentabilidade. Empreendimentos indígenas, sejam de artesanato, de agricultura ou de tecnologia, mostram que podemos estar dentro da economia ou uma economia indígena sem abrir mão de quem somos.
A luta pelos territórios continua sendo um dos maiores desafios. Sem terra, não há cultura, não há futuro. A demarcação não é um favor, é um direito, devemos retomar o que é nosso. O Estado precisa respeitar os territórios indígenas e garantir que não sejam invadidos por garimpo, desmatamento ou agronegócio predatório. Nossa terra não é só um espaço físico, é nosso corpo, nosso espírito, nossa história. O Brasil é indigena e de indígenas, mesmo sendo uma invenção colonizadora e colonizada, e nos deves reparação histórica, antes de todos que aqui vivem, nunca dará certo como pais se não resolver esses conflitos de existência de centenas de nações indígenas presentes sobre o solo, por isso nós querem sob o solo esquartejados e apodrecendo.
As mudanças são inevitáveis, mas devem ser conduzidas por nós, dentro dos nossos próprios termos e ajustes. Nossos povos sempre foram capazes de evoluir sem perder a essência. O desafio do presente é garantir que essa evolução continue sendo um processo de fortalecimento, e não de apagamento. A ruptura indígena será escrita por mãos indígenas presentes no presente, com a força dos nossos antepassados e a visão das novas gerações que virão.
Assim sempre foi. Assim sempre será.
Seja um bom ancestral hoje, se possível agora.
Por Anápuàka M. Tupinambá Hãhãhãe (@anapuakatupinamba)
Uma resposta
Um texto muito bom, Anapuaka. Parabéns! Coloca a questão da necessidade /,,realidade de uma resistência independente. Acrescento que é verdade que não temos que ficar presos ao passado. Mas, como disse o a Presidente português Rebelo de Souza, precisa de reparações em relação a 1492 e suas consequências.