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O Retorno do Manto Tupinambá: Um marco simbólico de resistência indígena

O retorno do Manto Sagrado Tupinambá marca a luta contínua dos povos indígenas por justiça e demarcação de terras.

Por Anápuàka Muniz Tupinambá Hãhãhãe, Rádio Yandê

No último dia 12 de setembro de 2024, o Brasil, o Povo Tupinambá e as demais nações indígenas  testemunharam um momento histórico e profundamente simbólico: o retorno do Manto Tupinambá, mantido por mais de quatro séculos em um museu dinamarquês, para sua terra de origem. A cerimônia, que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcou o retorno de um artefato que transcende sua condição de objeto museológico. Para o povo Tupinambá e para os povos originários em geral, esse manto representa muito mais do que uma peça de acervo: ele é um ente vivo, carregado de memória, espiritualidade e uma força ancestral que desafia o tempo e a opressão colonial. Mas, ao mesmo tempo que celebramos esse retorno, é necessário questionar: o que de fato está sendo devolvido a nós povos indígenas?

A cerimônia, realizada no Museu Nacional do Rio de Janeiro, destacou o papel das instituições brasileiras e dinamarquesas na devolução do manto, um esforço diplomático que envolveu tratativas intergovernamentais e museológicas. Porém, as falas emocionadas das lideranças indígenas revelaram a verdadeira dimensão desse evento. O retorno do manto Tupinambá não é apenas a reMatriação de um artefato roubado dos povos Tupinambá; é uma convocação à reflexão sobre o legado da invasão e colonização, sobre as violações históricas e atuais contra os povos indígenas, e sobre a urgência de uma verdadeira reparação. Afinal, o que significa devolver um símbolo de poder e espiritualidade quando o próprio território ao qual ele pertence continua sob disputa sem a demarcação?

Durante a cerimônia, a cacique Jamopoty (Valdelice), Tupinambá de Olivença (BA), expressou sua frustração com a longa e árdua luta pela demarcação de terras indígenas, uma batalha que atravessa gerações. Em seu discurso, ela ressaltou que o manto, ao retornar, traz consigo as vozes dos ancestrais e dos encantados, clamando por justiça e pela retomada dos territórios sagrados. “O manto chega hoje no Brasil no sonho de Amotara, dizendo: ‘Eu tenho 386 anos que estou fora do Brasil'”. O retorno deste artefato é visto como um passo importante, mas a cacique lembrou ao presidente Lula que ele tem o poder de ir além das celebrações simbólicas: ele pode, e deve, assinar a portaria declaratória que garante a posse dos territórios ao povo Tupinambá e a tantos outros povos originários.

Esse apelo ecoa o sentimento de muitas comunidades indígenas que, apesar dos avanços simbólicos, continuam a enfrentar as consequências da colonização. O Congresso Nacional, majoritariamente composto por interesses ruralistas e conservadores, tem sido um obstáculo permanente para a efetivação dos direitos indígenas. O Projeto de Lei 490/2007, que defende o marco temporal, e a Lei 14.701 são apenas alguns dos exemplos de medidas legislativas que colocam em risco a sobrevivência física e cultural dos povos originários.

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, também esteve presente na cerimônia e destacou a importância do manto como símbolo de resistência e espiritualidade. “Estamos inseridos em um processo de descolonização, mas sabemos que esse caminho é longo e delicado”, afirmou. Para Guajajara, a devolução do manto é apenas o início de um processo muito mais amplo, que envolve a reconstrução das narrativas históricas a partir do olhar dos próprios povos indígenas. A ministra agradeceu à Dinamarca pela sensibilidade ao reconhecer o valor espiritual do manto, mas lembrou que o Brasil ainda precisa avançar muito nesse processo de descolonização, que não se encerra com a devolução de um objeto, por mais simbólico que seja.

O presidente Lula, por sua vez, reconheceu a gravidade histórica deste momento, mas também utilizou seu discurso para apontar os desafios ainda presentes. “Se eu tivesse o poder que muitos acreditam que eu tenho, não estaria aqui comemorando o retorno de um manto; estaria comemorando a vida de milhões de indígenas que foram massacrados desde a invasão desse país”, disse. Ele reforçou que o retorno do manto não é apenas uma conquista dos povos indígenas, mas de toda a nação brasileira, que precisa reconhecer e respeitar sua diversidade cultural e espiritual. No entanto, seu discurso deixou claro que ainda há um longo caminho a percorrer para que os povos originários tenham seus direitos garantidos.

Esse evento expôs, de forma nítida, a complexidade do processo de repatriação de artefatos culturais e espirituais. Como bem lembrou o cacique Suçuarana Tupinambá, “o manto não é apenas um pedaço de tecido adornado; ele é um ente vivo, que carrega as histórias, as memórias e os saberes de gerações.” Para o povo Tupinambá, o manto sagrado é um símbolo da força de sua ancestralidade, que resistiu ao genocídio, à colonização e à tentativa contínua de apagamento de sua cultura.

O retorno deste artefato, no entanto, está longe de ser um ponto final. Ele é, na verdade, um marco de uma luta que continua. Como apontado pela presidenta da FUNAI, Joênia Wapixana, “a repatriação é uma reparação de dívidas com os povos indígenas, mas ela precisa vir acompanhada de ações concretas, como a demarcação de terras e a garantia dos direitos territoriais.” Não adianta devolver um símbolo espiritual ao povo Tupinambá se suas terras continuam sob disputa e suas lideranças continuam a bater em portas que permanecem fechadas.

O apelo final das lideranças Tupinambá foi claro: “O manto Tupinambá precisa que o território viva.” Não se pode falar em devolução de memória e de espiritualidade sem garantir o espaço físico e cultural em que esses saberes podem florescer. O território Tupinambá, assim como tantos outros territórios indígenas no Brasil, continua à espera de um reconhecimento que já deveria ter acontecido há muito tempo. A luta pela terra é, ao mesmo tempo, uma luta pela vida e pela manutenção das culturas indígenas.

Além disso, o retorno do manto sagrado levanta questões sobre a responsabilidade dos museus e das instituições culturais no Brasil e no exterior. Como ressaltou o ministro substituto da Cultura, Márcio Tavares, “é preciso que os processos de repatriação sejam feitos com total transparência e com a participação ativa das comunidades indígenas.” O manto Tupinambá não é um objeto que pertence a uma instituição; ele pertence ao povo que o criou, e é fundamental que esses povos sejam os protagonistas de sua própria história.

O Brasil vive um momento crítico em sua relação com os povos originários. A criação do Ministério dos Povos Indígenas e a devolução do manto são sinais de que o governo federal está disposto a avançar na reconstrução das relações com essas comunidades. No entanto, como as lideranças indígenas reiteraram durante a cerimônia, é preciso ir além dos gestos simbólicos. A descolonização das estruturas de poder no Brasil só será completa quando os povos indígenas tiverem pleno controle sobre seus territórios, suas culturas e suas vidas.

Mas o ponto alto e a leitura carta de manifesto Tupinambá e quebra de protocolo da liderança indigena Yakuy Tupinambá, destacamos 05 trechas para fins de registro histórico

Trecho 1: Ao tomar a palavra, Yakuy Tupinambá trouxe à tona o descontentamento de seu povo, ressaltando que a devolução do manto sagrado, apesar de simbólica, não resolve a dívida histórica com os povos indígenas. “Este manto, que representa nossa identidade e espiritualidade, estava há 400 anos fora de nosso território. Agora ele retorna, mas nossa luta pela demarcação das terras continua. Desde 2009, esperamos pela assinatura da portaria declaratória que nos devolva o direito sobre nosso território.” Suas palavras foram um apelo direto às autoridades presentes para que a promessa de regularização fundiária seja cumprida.

Trecho 2: Yakuy não poupou críticas ao processo que envolveu o retorno do manto, destacando a falta de consulta e participação dos Tupinambá nas negociações. “Quando o manto foi trazido de volta, faltou transparência. Fomos deixados de lado, sem saber os detalhes dos acordos entre o Museu Nacional do Rio de Janeiro e o museu dinamarquês. Isso reflete a mesma lógica colonial que sempre nos tratou como coadjuvantes em nossa própria história.” A fala do líder deixou claro que a repatriação do manto deveria ser mais do que um simples ato diplomático; deveria ser um marco de respeito e inclusão dos povos indígenas nos processos de decisão.

Trecho 3: Em um dos momentos mais emocionantes de seu discurso, Yakuy Tupinambá relembrou as injustiças que seu povo continua a enfrentar. “Nós, Tupinambá de Olivença, ainda esperamos por justiça. Vivemos sob a ameaça constante do PL 490 e do marco temporal, leis que tentam nos tirar o direito ao nosso próprio território. O Estado brasileiro, ao longo da história, nos tratou como inexistentes, como se fôssemos obstáculos ao progresso, mas a verdade é que resistimos. Estamos aqui, vivos e fortes, como o manto que retorna.” A crítica contundente expôs as contradições do governo brasileiro, que celebra a devolução do manto, mas demora em garantir direitos básicos aos povos originários.

Trecho 4: Yakuy também apontou a situação crítica enfrentada pelos povos indígenas em todo o país, denunciando o que chamou de “democracia distorcida”. “Para muitos, nós somos vagabundos, invasores de terras, mas a verdade é que nós somos os primeiros habitantes deste território. Fomos os primeiros a resistir à colonização, e ainda hoje lutamos contra um sistema que continua nos atacando. O marco temporal é mais uma forma de nos despojar de nossas terras, assim como fizeram quando levaram o manto.” Ao ler a carta-manifesto, Yakuy exigiu que o governo federal aja com urgência para evitar que mais terras sejam retiradas dos povos indígenas.

Trecho 5: Em sua conclusão, Yakuy Tupinambá fez um apelo poderoso pela união de forças contra o colonialismo ainda vigente nas estruturas do Estado. “O manto sagrado que retorna é um símbolo de nossa resistência, mas ele sozinho não trará a justiça que buscamos. Apelamos aos povos indígenas, aos quilombolas, aos movimentos sociais e a todos os aliados que se juntem a nós nessa luta. Estamos cansados de bater em portas fechadas. Chegou a hora de o Brasil reconhecer sua verdadeira história e devolver aos povos originários o que é nosso por direito: nossas terras, nossa dignidade e nossa autonomia.” Suas palavras foram recebidas com aplausos e deixaram claro que o retorno do manto é apenas o começo de uma luta maior.

O retorno do manto Tupinambá é um momento de celebração, sim, mas também de reflexão profunda sobre os desafios que ainda enfrentamos. O Brasil precisa reconhecer que os povos indígenas não são meros coadjuvantes na história da nação; eles são os protagonistas de uma luta que começou há mais de 500 anos e que continua até os dias de hoje. Como comunicador indígena, afirmo que este é o momento de agir, de exigir que o estado brasileiro cumpra suas promessas e de garantir que a devolução do manto seja apenas o primeiro passo de uma jornada muito maior: a construção de um país verdadeiramente justo, plural e descolonizado.


Rádio Yandê – A voz dos povos indígenas, promovendo a resistência, a cultura e os direitos dos povos originários.

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