
A Coleção Som Nativo reúne vozes de diferentes povos indígenas em sete álbuns inéditos, transformando a música em ferramenta de memoriância, resistência e futuro, e ocupando também os territórios digitais com identidade e força cultural.
A música é mais que arte para os povos indígenas. Ela é língua, memória, ensinamento, espiritualidade e resistência. Em tempos em que muitas línguas originárias correm o risco de desaparecer, iniciativas que reconhecem a centralidade da música como tecnologia de preservação cultural se tornam não apenas bem-vindas, mas urgentes. É nesse contexto que nasce a Coleção Som Nativo, lançada pelo Instituto Alok em parceria com artistas indígenas de diversas etnias brasileiras.
A coleção reúne sete novos álbuns, que se somam ao já conhecido O Futuro é Ancestral, trabalho indicado ao Grammy Latino com a música. Grammy Latino 2024 na categoria estreante Best Latin Electronic Music Performance com a faixa “Pedju Kunumigwe” (com Guarani Nhandewa), o projeto marcou presença com uma performance ao vivo no Latin Grammy Premiere em Miami, trazendo artistas indígenas ao palco – um feito histórico. Embora não tenha vencido (o prêmio foi para “La Ceniza” de Ale Acosta e Valeria Castro), a nomeação ampliou a visibilidade global das culturas indígenas. A Coleção Som Nativo, são registros sonoros que ecoam cantos tradicionais, rezas, narrativas e ritmos que dialogam com o mundo, ao mesmo tempo em que reafirmam a potência das línguas indígenas.. Em 2025, o projeto evoluiu com a coleção Som Nativo, foi lançado estes sete álbuns adicionais em celebração ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, reforçando o compromisso com a valorização e preservação das tradições originárias.
Segundo a UNESCO, mais da metade das línguas indígenas do planeta correm risco de extinção diariamente ainda neste século. No Brasil, entre as mais de 274 línguas faladas, muitas resistem em pequenos grupos, enquanto outras já foram silenciadas pela colonização. Nesse cenário, a música torna-se um caminho para manter viva a palavra, a memória e a espiritualidade dos povos originários.

A música como um PIN no mapa sonoro do Brasil indígena
A coleção é formada por trabalhos dos Guarani Kaiowá (MS), Kariri Xocós (AL), Huni Kuin (AC), Yawanawa (AC), Guarani Mbyá (SP), Kaingang e Guarani Nhandewa (PR), além dos Brô MC’s, um dos grupos pioneiro de rap indígena no país.
Cada álbum funciona como um território de escuta. São vozes que falam da conexão com a natureza, da vida nas aldeias, da espiritualidade e da luta. O produtor musical Jones resume a proposta:
“Minha intenção era que a gravação fosse a mais fiel possível à experiência original, desde os cantos que ecoam até o som dos pés marcando o ritmo no chão. O resultado é um registro que, ao fechar os olhos, faz você se sentir dentro da aldeia.”
Para o povo Yawanawa, como explica o líder Tashka Yawanawa, a gravação assegura a continuidade dos saberes:
“Nós povos amazônicos não temos escrita, então as músicas gravadas nesse álbum vêm assegurar a continuidade de nossos conhecimentos e valorizar nossas tradições.”
Esses registros ultrapassam o campo artístico e tornam-se documentos vivos, que preservam e atualizam a diversidade cultural indígena.
No álbum Nhe’ẽ Porã (Guarani Mbyá), ecoa um chamado espiritual:
“Nhe’ẽ porã ñane mombarete, ñe’ẽ porã ñane mbojerovia”
(A palavra sagrada nos fortalece, a palavra sagrada nos dá esperança)
Já no canto dos Yawanawa, em Saiti Kayahu, o convite é coletivo:
“Estamos reunidos aqui para rezar, para cantar, para agradecer.”
Cada palavra cantada é território, memória e futuro.
*PIN – Personal Identification Number (Número de Identificação Pessoal), um marcador de mapa (alfinete, alfinete de localização, marcador de lugar) identifica uma localização precisa em um mapa.

Arte indígena: entre tradição e contemporaneidade
A Coleção Som Nativo nós não vemos e ouvimos apenas uma vitrine de cantos tradicionais. Ela também abre espaço para a experimentação contemporânea, como mostram os Brô MC’s. Em suas rimas e métricas sonoras, os jovens Guarani Kaiowá transformam o rap em flecha e palavra de resistência, desafiando estereótipos:
“Desde 1500 há um preconceito enorme contra a gente. Dizem que se usamos o rap, perdemos nossa cultura. E quando mostramos nossa cultura, dizem que somos selvagens. Mas seguimos mostrando nossa arte, nossa tecnologia e nossa cultura”, afirma Owerá, do grupo.
Esse diálogo entre tradição e contemporâneo mostra que a cultura indígena não é estática, mas pulsante, múltipla e em constante reinvenção.
Para os Huni Kuin, no álbum Hiri Shubu Keneya Bari Bay, a música é medicina:
“Haux, keneya, bari bay…”
(Força, energia, caminho da cura…)
São rezas que se transformam em trilhas, lembrando que a arte indígena também é tecnologia de cura.

Para além da música: política e futuro
O lançamento da coleção faz parte das ações da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), uma mobilização global que busca frear o apagamento linguístico e apoiar iniciativas que deem visibilidade às culturas originárias.
Ao reverter integralmente a monetização das faixas para os próprios artistas indígenas, o projeto também enfrenta a desigualdade na indústria fonográfica, onde raramente os povos indígenas são protagonistas.
Mais que uma coletânea de álbuns, a Coleção Som Nativo é um ato político. Ela inscreve as vozes indígenas no mercado musical global, mas sem abrir mão da autonomia e da identidade cultural. Como reforça a diretora da UNESCO no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto:
“A Coleção Som Nativo é uma expressão importante da força das culturas indígenas e da potência da música como instrumento de preservação linguística, memória e diálogo com o mundo.”
Ocupando os territórios digitais
A circulação da Coleção Som Nativo pelas plataformas de streaming mostra a importância de ocupar também os territórios digitais, hoje centrais na comunicação e na indústria cultural. A presença de músicas em Guarani, Yawanawa, Huni Kuin e outras línguas nesses espaços amplia a disputa de narrativas e garante que vozes originárias ecoem para além das aldeias, chegando a públicos globais.
Essa é uma dimensão essencial da etnomídia indígena: fazer da internet, das plataformas e das redes não apenas canais de consumo, mas espaços de fortalecimento das culturas, línguas e artes indígenas.
O olhar da Rádio Yandê
Na Rádio Yandê, primeira web rádio indígena do Brasil, reconhecemos nesse projeto um caminho comum: fortalecer a música como ferramenta de resistência e diálogo intercultural. Desde nossa fundação, a missão tem sido dar visibilidade à produção musical indígena, seja ela tradicional ou contemporânea, abrindo espaço para que essas vozes circulem com autonomia e dignidade. É um projeto replicável e escalável por outros indígenas e com outros novos parceiros possíveis que não viole valores morais e sociais das lutas indígenas
A Coleção Som Nativo soma-se a esse movimento coletivo de reafirmação cultural. Ela mostra que quando escutamos os povos indígenas, escutamos não só o passado, mas também o futuro que se constrói em resistência e criatividade.
O chamado para escutar
Escutar a Coleção Som Nativo é aceitar um convite: o de deixar-se atravessar por vozes que ecoam desde muito antes de 1500 e que continuam a projetar o futuro. É reconhecer que a música indígena não é apenas estética, mas também política, espiritual e educativa.
Como canta o povo Kariri Xocó em Cantos dos Encantos:
“Nossas vozes se levantam como vento, como água, como raiz.”
E como respondem os Guarani Kaiowá em Retomada:
“Seguiremos cantando, seguiremos vivendo.”
Essas vozes, quando ecoam juntas, formam um grande coral que não pertence ao passado. Elas pertencem ao agora e ao futuro.
Os álbuns da Coleção Som Nativo
- Hiri Shubu Keneya Bari Bay – Mapu Huni Kuin (Huni Kuin/AC)
- Saiti Kayahu – Yawanawa Saiti Kaya (Yawanawa/AC)
- Cantos dos Encantos Kariri Xocó – Wyanã Kariri Xocó (Kariri Xocó/AL)
- Nhe’e Porã – Guarani Mbyá (Guarani Mbyá/SP)
- Retomada – Brô MC’s (Guarani Kaiowá/MS)
- Kaingang e Guarani Nhandewa – Participação do movimento “Levante pela Terra” (PR)
- Kairau Vimiûû – Rasu Yawanawa (Yawanawa/AC)
A Coleção SOM NATIVO é uma realização do Instituto Alok e artistas de 8 etnias em contribuição à Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), em cooperação com a UNESCO. Para acessar os álbuns nas plataformas, busque pelo nome do artista ou da Coleção SOM NATIVO e acesse o site www.institutoalok.org para ver as letras das músicas traduzidas. Link direto para a Coleção Som Nativo.
Realização: Instituto Alok e Artistas indígenas: Yawanawa, BRÔ MC´s, Mapu Huni Kuin, Kariri Xocó, Kaingang, Guarani Nhadewa, Guarani Mabyá e Pekã Rasu Yawanawa.
Escute, compartilhe, fortaleça as vozes originárias. Cada play é um ato de resistência e de futuro.
Redação Rádio Yandê
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