
Ao reconhecer a língua Maxakali como oficial, Teófilo Otoni não apenas cumpre um avanço democrático previsto na Constituição e na ONU, mas também celebra a força de um idioma que carrega cantos, memórias e modos de existir, transformando resistência em política pública e futuro para os povos originários.
A noite de segunda-feira (22/09) entrou para a história de Teófilo Otoni, Minas Gerais e do Brasil. Durante a 31ª Reunião Ordinária, a Câmara Municipal aprovou o Projeto de Lei nº 123/2025, de autoria da vereadora Eliane Moreira (PT), que reconhece a língua Maxakali (Tikmũ’ũn) como segunda língua oficial do município, ao lado do português.
A decisão inédita coloca a cidade do Vale do Mucuri na vanguarda do reconhecimento da diversidade linguística e do respeito aos povos originários, transformando a língua em política pública de valorização, preservação e difusão cultural.
Mais que uma lei: um compromisso com a diversidade
De acordo com o texto aprovado em reunião ordinária da Câmara Municipal, o município de Teófilo Otoni (MG), assume a responsabilidade de promover ações públicas, educacionais, culturais e sociais para fortalecer a língua Maxakali. Entre os pontos mais importantes estão:
- Ensino bilíngue nas escolas municipais localizadas em áreas com estudantes Maxakali, respeitando os processos próprios de aprendizagem da comunidade;
- Formação de professores indígenas e bilíngues, ampliando a rede de educadores preparados para atuar no território;
- Elaboração e adoção de materiais didáticos bilíngues, adaptados às realidades culturais Maxakali;
- Parcerias com lideranças e comunidades Maxakali, assegurando protagonismo na construção das políticas;
- Uso da língua em documentos, comunicações e manifestações oficiais, de forma complementar ao português;
- Implementação de programas de preservação e fortalecimento da identidade linguística Maxakali.
Além disso, o artigo 6º prevê que a execução da lei deve respeitar os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, podendo utilizar tanto recursos próprios quanto verbas de convênios com a União, o Estado ou organismos nacionais e internacionais.
Esses pontos demonstram que a proposta não é apenas simbólica: ela cria um ecossistema de proteção e difusão da língua, assegurando sua presença nos espaços públicos e institucionais.
Maxakali: língua de resistência e futuro
A língua Maxakali (Tikmũ’ũn), pertencente à família Macro-Jê, é falada por comunidades indígenas localizadas principalmente nos vales do Mucuri e do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
Mais do que um idioma, o Maxakali é memória, espiritualidade e cosmovisão. Ele carrega cantos rituais, narrativas sagradas e modos próprios de compreender o mundo. Sua resistência é resultado da luta de gerações que, apesar de séculos de exclusão e violência, mantiveram viva a oralidade e o direito de existir em sua própria língua.
Ao reconhecê-la oficialmente, Teófilo Otoni transforma essa resistência em política pública de continuidade e futuro, garantindo que crianças e jovens aprendam a língua em ambientes formais de educação.
Justiça histórica e alinhamento internacional
Na justificativa do projeto, a vereadora Eliane Moreira destaca que a medida não apenas valoriza a diversidade, mas também cumpre direitos constitucionais (Art. 210, §2º da Constituição Federal), está em conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e se alinha à Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
A justificativa também lembra que Teófilo Otoni já possui uma Aldeia Escola, onde a língua Maxakali é a oficial e utilizada no ensino. O projeto, portanto, reconhece juridicamente uma realidade já existente e amplia sua legitimidade.
“Esse reconhecimento garante não apenas o ensino da língua nas escolas, mas também o fortalecimento da identidade cultural e o respeito à diversidade. É um ato de justiça histórica com os povos originários”, afirmou a vereadora.

Mas o que diz a Lei nº 123/2025 sobre a língua Maxakali em Teófilo Otoni
Art. 1º – Reconhece a língua indígena Maxakali (Tikmũ’ũn) como segunda língua oficial do município, ao lado do português.
Art. 2º – O município deverá valorizar, preservar, usar e difundir a língua em espaços públicos, educacionais, culturais e sociais.
Art. 3º – Fica instituído o ensino bilíngue da língua Maxakali nas escolas da rede municipal localizadas em áreas com presença de estudantes da etnia.
➡️ Respeitando os processos próprios de aprendizagem da comunidade.
Art. 4º – A Secretaria Municipal de Educação poderá:
- Firmar parcerias com lideranças e comunidades Maxakali;
- Promover a formação de professores indígenas ou bilíngues;
- Elaborar ou adaptar materiais didáticos bilíngues;
- Implementar programas de fortalecimento da identidade linguística Maxakali.
Art. 5º – A língua poderá ser utilizada de forma complementar em documentos, comunicações e manifestações oficiais do município, especialmente em ações voltadas às comunidades indígenas.
Art. 6º – A implementação da lei respeitará a Lei de Responsabilidade Fiscal e poderá contar com recursos próprios ou de convênios com União, Estado ou organismos nacionais e internacionais.
Art. 7º – A lei entra em vigor a partir da data de sua publicação.
A etnomídia como chave para compreender o avanço
Sob a perspectiva da etnomídia indígena, esse avanço legislativo não se limita ao campo institucional. Ele amplia os meios pelos quais os povos indígenas podem protagonizar suas próprias narrativas e difundir sua língua em diferentes plataformas: rádios comunitárias, sites, aplicativos, escolas, redes sociais e documentos oficiais.
Isso significa que o Maxakali poderá circular em sua plenitude, não como tradução do português, mas como expressão autêntica de um povo e de sua cosmovisão. Ao mesmo tempo, reforça a luta pela soberania comunicacional e linguística, pilares centrais da etnomídia.
O próximo passo: sanção do Executivo
O projeto segue agora para análise do prefeito Marinho (PL), que terá a responsabilidade de sancionar ou vetar a proposta. A expectativa é de que a relevância histórica e cultural do projeto seja reconhecida, consolidando Teófilo Otoni como referência nacional.
Se sancionada, a lei poderá inspirar outros municípios brasileiros a reconhecerem oficialmente as línguas indígenas faladas em seus territórios, criando uma rede de cidades plurilíngues em um país que ainda pouco valoriza sua enorme diversidade linguística.
Muito além de um ato político
A aprovação do Projeto de Lei nº 123/2025 é mais que uma decisão legislativa. É um ato de reparação histórica, de valorização cultural e de projeção para o futuro.
Num Brasil com mais de 274 línguas indígenas vivas, cada passo em direção ao reconhecimento oficial é uma vitória coletiva e uma oportunidade de transformar a democracia em um espaço verdadeiramente plural.
A língua não é apenas comunicação. É território, espiritualidade, memória e vida. Ao reconhecer o Maxakali como idioma oficial, Teófilo Otoni reafirma que não existe democracia plena sem os povos originários e suas línguas.
Fotos Crédito: Roberto Romero | Projeto Hãmhi @hamhiterraviva
Redação Rádio Yandê e Anápuàka M. Tupinambá Hã hã hãe
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Uma resposta
Conquista muito importante! Dia histórico não só para os Maxakali, mas para todos os povos indígenas. Que venham outras conquistas dessa e de outra natureza.