
Dia 9 de Agosto — Dia Internacional dos Povos Indígenas — é mais do que uma data única no calendário. Para nós, deve ser “Agosto Indígena” tamanha diversidade de nações espalhadas ao redor do mundo. Por isso, a data deve reverberar ao longo do mês, sendo sinônimo de visibilidade, mobilização política e celebração cultural. Naturalmente a data, referência pontual, funciona como âncora simbólica, mas comunidades, organizações da sociedade civil, universidades e espaços culturais devem ampliar o debate para um mês inteiro de atividades.
Durante agosto há festivais, rituais, assembleias, discussões públicas e campanhas de comunicação que procuram reforçar identidades coletivas, pressionar por direitos territoriais, reconhecimentos constitucionais e políticas públicas bilíngues, denunciar violações (violência, invasões, mineração/extração) e compartilhar saberes e práticas de revitalização linguística e educacional.
Festa, memória, protesto. Agosto ganha significados múltiplos para a questão indígena no mundo, onde emerge um tempo político e pedagógico: educar a sociedade sobre os modos de vida plurais, além de expor as tensões políticas e socioambientais que afetam diretamente o cidadão indígena.
América Latina: “um povo sem pernas, mas que caminha”

A frase acima, do grupo porto-riquenho Calle 13, simboliza a força e luta povo latino-americano, apesar de todas as diversidades que enfrentam. E, ao falarmos desde este continente, significa lembrar que mais de 9% de toda sua população é autodeclarada indígena, segundo o Censo de 2010 da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL).
Dados apontam que há cerca de 60 milhões de cidadãos indígenas na América Latina, em mais de 826 povos, números que pode até abarcar ou subnotificar a dimensão demográfica, mas jamais capazes de traduzir a enorme diversidade cultural, linguística e de situações políticas entre países. Apesar de avanços normativos em algumas nações, como os reconhecimentos constitucionais, as políticas interculturais, os cidadãos indígenas continuam desproporcionalmente expostos à pobreza, à perda de territórios, à criminalização por defender suas terras e à violência relacionada a atividades extrativistas de mineração, agronegócio, madeireiras etc. Ao mesmo tempo, a defesa de terras e florestas é causa e consequência: onde territórios indígenas são protegidos, níveis de desmatamento tendem a ser menores, o que revela a dimensão ambiental da luta indígena.
Vamos imaginar uma breve viagem por esse continente?
No Chile são cerca de 1,5 milhão de cidadãos indígenas, sendo que das 9 etnias que se destacam (porque são mais), o povo Mapuche é o de maior número. A disputa territorial e criminalização de lideranças daquele povo, além da demanda por autodeterminação, reconhecimento jurídico e políticas de reparação cultural são pautas de luta constantes.
Na Bolívia são 36 povos reconhecidos oficialmente e, por óbvio, as estimativas e os números dos censos e projeções de quantos cidadãos indígenas no país, variam. Mas, se sabe que uma parcela muito significativa da população se autoidentifica como indígena, em média 41%. No movimento indígena boliviano, destacamos a luta e a implementação plena do Estado plurinacional na prática, a titularidade efetiva sobre terras, as tensões entre políticas estatais de desenvolvimento e direitos comunitários. É no governo de Evo Morales que acontece o reconhecimento legal da radiodifusão comunitária, assim como a Lei das Telecomunicações, que propunha igualdade no âmbito radiofônico com a criação de uma Rede Nacional de Rádios de Povos Originários.
No Equador há 14 nacionalidades indígenas reconhecidas, com cerca de 1 milhão 301 mil 887 pessoas, o que significa 7,7% da população, segundo censo/relatórios recentes daquele país. As principais lutas são a demarcação de territórios no Oriente amazônico, a proteção contra exploração petrolífera, a defesa de línguas, como o kichwa e políticas interculturais efetivas. Já no Nesse sentido, de um Estado Plurinacional, o país necessita trabalhar para atender uma população originária de cerca de 1,1 milhão de cidadãos indígenas de um total que ultrapassa os 17 milhões e 300 mil habitantes. São 14 nações, sendo grupos que vivem na Amazônia e pertencem a 10 povos (24,1%), os Kichwas andinos que habitam a Sierra Sur (7,3%) habitam seis províncias na Serra Centro Norte, sendo que a maioria (78,5%) vive em área rural e o restante em contexto urbano (21,5%). Outros grupos vivem nas Ilhas Galápagos e na região da Costa e em número reduzido em outras localidades, como os Cofán – na Amazônia – os Shiwiar, Siekopai, Siona entre outros. Pouco mais dez anos após a vigência de uma nova Constituição e vinte anos de ratificação da Convenção 169 da OIT, o Equador ainda necessita de políticas públicas específicas e claras que busquem combater o risco de desaparecimento desses povos, e de instrumentos eficazes que assegurem a vigência dos direitos coletivos já amplamente contemplados na Carta Magna. Isto porque, a plurinacionalidade é um instrumento teórico que precisa ser exercido na prática cotidiana.
Seguindo até o Peru, encontramos cerca de 55 povos indígenas, com aproximadamente 47 línguas indígenas vivas, em uma população de 4 milhões de pessoas autodeclaradas indígenas. As lutas, mais uma vez, se assemelham: a proteção da Amazônia e dos povos não contactados, a resistência a projetos de mineração e hidrocarburos, a revitalização linguística e educação intercultural. Por fim, na Venezuela, registros apontam cerca de 52 populações indígenas registradas, das quais 42 têm falantes nativos atualmente. O acesso a serviços básicos em ambientes remotos (saúde, educação), a defesa de territórios amazônicos e costeiros, a manutenção linguística frente à migração e assimilação são pautas reivindicadas.
Lutas históricas comuns, união urgente!
A luta pela demarcação, titulação e proteção da terra e do território contra invasões e operações ilegais são a tônica do cotidiano do cidadão indígena latinoamericano Historicamente, a disputa por recursos, como minerais, madeira, petróleo é um motor central de conflito. Somamos a isso, a violência e criminalização de lideranças e defensoras/es do território são alvo de ameaças, ataques e até assassinatos em vários países. Ou, seja a impunidade é uma constante.
Nesse cenário, há perda da cultura, da língua, dos costumes, tradições, matrizes culturais importantíssimas que correm perigo no descaso e violência do próprio Estado ao não concretizar políticas públicas de educação escolar indígena, saúde, cultura, economia, política, comunicação, a partir de iniciativas comunitárias, as própria sabedoria e dinâmica de vida desde o chão da aldeia. A luta por reconhecimento e participação política ainda são pautas dessa luta, temas reivindicados lá nos anos 1970, quando o Movimento Indígena no Brasil dava seus primeiros passos, inspirados pela luta desses outros países. Ainda que haja avanços normativos, com as constituições plurinacionais, leis específicas que funcionam no papel, a implementação e o acesso real à participação permanecem cruéis, desiguais, favorecendo alguns e esquecendo do maioria
Sempre será Agosto Indígena
Não deixamos aqui o Dia Internacional dos Povos Indígenas de lado, marcado pelo dia 9, mas chamamos a atenção para falar sobre as questões que são importantes para as nações ao longo de todo o mês! Todo o dia é dia de discutirmos entre direitos indígenas, direitos humanos, justiça ambiental e respeito à diversidade cultural. Celebrar, nunca bastou, a não ser para o não indígena. Agosto Indígena é um calendário de cobrança, um período para exigir que compromissos legais, como titulação, consulta prévia, políticas interculturais, saiam do papel. A ofensiva de interesses econômicos sobre territórios, aliada a estruturas estatais fracas ou capturadas pelo neocolonialismo de invasores do séculos XXI, torna urgente combinar celebração com pressão política, luta e solidariedade concreta.
Referências:
Tese “ETNOMULTIMÍDIA INDÍGENA: CONFIGURAÇÕES DE VOZES DE UMA DEMARCAÇÃO ETNOMULTICOMUNICACIONAL CIDADÃ E DESCOLONIZADORA NO BRASIL”.(Unisinos 2023) Orientador: Alberto Efendy Maldonado Gomez de La Torre. Coorientador: Anápuàka Muniz Tupinambá Hã Hã Hãe. E-book gratuito disponível para download: https://www.pimentacultural.com/livro/etnomultimidia-indigena/







