ABIN Paralela: Espionagem Criminal Contra os Povos Indígenas

Imagem da fachada da Abin – Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Espionagem ilegal financiada com dinheiro público atacou nossos corpos indígenas, nossas lutas por direitos, nossas vozes e nossos territórios.

Este texto é fundamentando no Relatório Final do Inquérito 2023.0022161 da Polícia Federal que desmascara a ação criminosa de uma “ABIN Paralela” montada nos bastidores do governo de Jair Bolsonaro. Sob o codinome First Mile, essa estrutura clandestina de espionagem serviu não à segurança da sociedade, mas aos interesses de garimpeiros e grandes empreiteiras em terras indígenas — atacando nossos direitos e territórios sem que nossos nomes sequer aparecessem nos autos.

Os territórios indígenas não são apenas espaços físicos — são centros de vida, espiritualidade, cultura e autonomia política. Espionar suas lideranças é uma tentativa de desmantelar essas bases.

O que é a ABIN?

A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), fundada em 7 de dezembro de 1999, é o serviço de inteligência civil do Brasil, responsável por coordenar e executar as ações do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN). Subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, a ABIN tem sua sede em Brasília e atua como o órgão central do sistema de inteligência nacional, sendo o equivalente brasileiro de agências como a CIA, dos Estados Unidos, e o SVR, da Rússia.

Com um orçamento anual de R$ 674,8 milhões (em 2020), a agência é atualmente dirigida por Luiz Fernando Corrêa. Sua criação marcou a transição do modelo anterior de inteligência representado pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), fundado em 13 de junho de 1964, logo após o golpe civil-militar que deu início à ditadura no Brasil (1964–1985). Durante o regime, o SNI foi peça central na repressão política, realizando vigilância, censura, prisões arbitrárias e perseguições a opositores. O SNI foi extinto em 15 de março de 1990, no governo Collor, como parte do processo de redemocratização e reorganização da inteligência no país.

O que foi a ABIN Paralela?

A chamada ABIN Paralela refere-se a uma estrutura clandestina de inteligência que funcionou dentro da própria ABIN, operando à margem dos canais institucionais e legais do Estado. Essa rede informal, criada e comandada por Alexandre Ramagem, então diretor da ABIN nomeado por Jair Bolsonaro, é hoje investigada pela Polícia Federal no âmbito do Inquérito Policial nº 2023.0022161, sendo considerada parte de uma organização criminosa (ORCRIM).

Como funcionava?

A estrutura utilizava recursos públicos da ABIN — humanos, financeiros e tecnológicos — para:

  • Monitoramento ilegal de cidadãos brasileiros, incluindo jornalistas, políticos, ministros do STF, servidores públicos, opositores do governo e lideranças indígenas;
  • Produção e disseminação de desinformação, especialmente para proteger o chamado “núcleo político” do governo Bolsonaro, incluindo Carlos Bolsonaro;
  • Uso clandestino da ferramenta de espionagem First Mile, contratada por R$ 5,7 milhões, que permitia a geolocalização de celulares sem ordem judicial.

Período de atuação

Segundo a PF, a estrutura operou de dezembro de 2018 a maio de 2021, coincidindo com o início do governo Bolsonaro e a gestão de Ramagem na ABIN. A espionagem se valia do contrato nº 567/2018 para adquirir e usar o sistema First Mile.

O que revelou a investigação?

Uso ilegal de vigilância digital

Policiais federais cedidos à ABIN montaram um sistema de monitoramento digital ilegal, capturando dados de celulares e redes sociais sem autorização judicial. Essas ações não visavam o combate ao crime organizado, mas sim a proteção de projetos de mineração e desmatamento em terras indígenas, além de ações de perseguição política.

Povos indígenas como alvos invisíveis

Embora o relatório da PF mencione o garimpo apenas de forma indireta, está claro que a espionagem incluiu lideranças e defensores dos territórios originários. Ao não nomear explicitamente essas pessoas, a investigação oculta o verdadeiro crime: o uso do aparato estatal para criminalizar a luta pela demarcação e preservação das terras indígenas.

Lideranças que denunciavam garimpos ilegais no Alto Tapajós foram monitoradas nos dias anteriores a audiências públicas — mas seus nomes nunca apareceram nos relatórios.

Inteligência como arma contra os povos originários

A “ABIN Paralela” transformou o serviço de inteligência em ferramenta de guerra política, mapeando e difamando defensores dos direitos indígenas enquanto facilitava o avanço de grandes interesses sobre as florestas.

Por que isso importa?

  • Controle territorial: Com acesso ilegal a dados de localização, comunidades indígenas ficaram expostas a ameaças, grileiros e empresas de mineração.
  • Silenciamento político: Lideranças foram vigiadas e constrangidas por sua atuação em defesa dos territórios.
  • Apagamento dos indígenas: A omissão de nomes e organizações indígenas nos relatórios compromete a exigência de reparação e justiça.

Por que isso também é ilegal

Para além dos impactos políticos e sociais, é importante lembrar que as ações da ABIN Paralela violaram princípios legais fundamentais do Estado brasileiro. Mesmo para quem ainda não compreende o que está em jogo nos territórios indígenas, os fatos apurados pela Polícia Federal são claros:

  • Espionar cidadãos sem autorização judicial é crime, conforme a Constituição de 1988 e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD);
  • A mineração em terras indígenas é inconstitucional, mesmo antes do julgamento do marco temporal. Nenhum projeto de extração nessas áreas pode ser considerado legítimo.

Esses elementos deixam evidente que o aparato de inteligência foi desviado de sua função pública para proteger interesses ilegais e atacar populações vulneráveis. É preciso responsabilização com base no que a própria lei já determina.

Denúncia e resistência

A ABIN Paralela não foi um desvio técnico, mas sim um projeto político-econômico articulado para perseguir, silenciar e expropriar. A espionagem ilegal contra lideranças indígenas deve ser reconhecida como parte de uma tentativa sistemática de desmobilização dos direitos territoriais.

Exigimos:

  • Revisão imediata de todos os atos de espionagem, com atenção aos danos causados às comunidades indígenas;
  • Participação ativa de lideranças e organizações indígenas em todo o processo de apuração e reparação;
  • Garantia de não repetição, com a criação de mecanismos robustos de controle externo sobre as atividades de inteligência no Brasil.

Leia a íntegra do despacho.

Veja a íntegra do relatório da PF.

Por Redação Rádio Yandê | @radioyande
“Este texto ecoa o grito coletivo das comunidades originárias vigiadas em silêncio.”

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