Projeto Kaapora é destruído na TI Caramuru na Bahia

O espaço do Projeto Kaapora, dentro da TI Caramuru Paraguaçu, na Bahia, completamente devastado em maio deste ano. Foto: Reprodução/ Instagram Projeto Kaapora.

Em entrevista à Rádio Yandê, Olinda Muniz Tupinambá, idealizadora do projeto de conservação ambiental, conta sobre o crime que desmatou a área de proteção e as ameaças sofridas para deixar o local

Kaapora é uma entidade da floresta protetora dos animais e das plantas. Se diz que ela pune os caçadores que matam por perversidade, prazer ou mesmo sem necessidade alimentar. É um espírito encantado que castiga aqueles que danificam as plantas e assim, guarnece a floresta. Por isso, a iniciativa desenvolvida, desde 2016, pela jornalista, documentarista e produtora de audiovisual Olinda Muniz Tupinambá, e seu esposo Samuel Vanderlei, é chamada de Projeto Kaapora. A proposta reúne educação ambiental e reflorestamento dentro da Terra Indígena Caramuru Paraguaçu, na Bahia, uma terra de cidadãos Tupinambá e Pataxó. No entanto, no último mês, a área do projeto foi totalmente destruída por uma invasão. A Rádio Yandê conversou com Olinda sobre o surgimento da iniciativa, o crime e a violência sofridos e os planos futuros.

RY – Olinda, como o projeto Kaapora foi pensado por você e seu esposo, Samuel?
Olinda Muniz Tupinambá – Eu sempre trabalhei muito ativamente no processo de retomada do território, desde 1982, quando esses processos de retomada começaram para conquistar o território. Eu sempre participei com minha mãe, muito ativamente, desde muito criança até minha vida adulta. Em 2012, conseguimos que os títulos doados aos fazendeiros sobre a terra indígena fossem, de fato, anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, garantimos a totalidade do território, que é de 54 mil hectares. Nesse período, entre 2012 e as últimas retomadas, eu e meu esposo Samuel estávamos muito ativos dentro do território. Ajudamos com recursos a bancar a parte das retomadas, sempre ligados ao meu tio, Cacique Nailton. Quando resolvemos a questão, ele conversou conosco e disse que nos daria um pedaço de terra, pois após a retomada, as terras foram divididas de forma não coletiva, mas entre pessoas e famílias. Eu e meu esposo ganhamos um pedaço de terra que ficava em frente à casa do Cacique Nailton. Na época, achamos a terra muito grande. Então, falamos que aceitaríamos a terra, mas com a condição de deixar mais duas famílias conosco: a de minha prima Mônica e a família de meu primo Rodrigo.

RY – Isso ocorreu em 2012, quando você ainda cursava a faculdade de Comunicação. Inclusive, você pediu licença da faculdade para estar na comunidade durante a retomada e ajudar com a comunicação comunitária. Mas, foi em 2015 que você retornou em definitivo ao território para ocupar a área que lhe foi dada. Como foi isso?
Olinda Muniz Tupinambá Quando terminei a faculdade em 2015, retornei ao território para ocupar essa área. Quando chegamos lá, a área estava sendo usada como pastagem por um vereador do município de Pau Brasil e o local era controlado pelo Cacique Nailton. Conversamos com ele e dissemos que queríamos tirar o gado, pois viemos morar e tínhamos um projeto de educação ambiental e reflorestamento. Ele e sua esposa, Cristina, propuseram trocar essa área por outra. A área proposta era da filha de Mocinha, chamada Itaici, que foi casada com meu irmão e tem um filho com ele. Inicialmente, não queríamos a troca, mas fomos pressionados. Itaici foi morar com Mocinha e os filhos, enquanto eu fui morar com minha mãe, próximo da área do projeto. Não havia estrutura lá. Então, vendi o pouco gado que eu tinha para fazer cercas e comecei a implantar o Projeto Kaapora. Fizemos uma reunião com a comunidade, lideranças e caciques, e eles assinaram a criação da Área de Proteção Ambiental (APA), exceto o Cacique Nailton. Levei a proposta à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e foi aprovada. Começamos a trabalhar sem estrutura, levantando dinheiro para cercas, construindo uma cozinha comunitária e comprando água para regar as mudas.

Olinda cuidando das mudas na área de proteção ambiental do Projeto Kaapora, em seu ritual de plantar: “Semeando nessa terra o que quero para o futuro. Aqui tenho plantado tudo o que gosto e me acolhe nessa caminhada doando amor”. Foto: Reprodução/ Instagram Projeto Kaapora.

RY – O Projeto Kaapora existia há oito anos e vinha expandindo conexões, novas parcerias e buscava recursos para sua sustentabilidade. Neste exato momento de crescimento, o projeto é atacado e completamente destruído. Como foi isso, Olinda?
Olinda Muniz TupinambáO filho de Itaici, meu sobrinho, há três anos, me mandou um áudio dizendo que a área era dele porque seu pai tinha morrido. Conversei com Nailton e outros familiares, e eles foram falar com ele. Minha tia Nega, que foi assassinada pela invasão, também conversou com ele. Três anos depois, ele enviou outro áudio ameaçando me matar se eu fosse à área. Ele invadiu, destruiu a cozinha e cortou as árvores do projeto. Após constatar essa destruição, procurei o Cacique Nailton, que disse não ter controle sobre a pessoa perigosa. O rapaz, que hoje tem 20 anos, está envolvido com o tráfico de drogas na região, fato que é sabido pela comunidade. Aliás, um problemática que assola várias comunidades indígenas pelo Brasil e que o Movimento Indígena precisa se posicionar para combater. Então, fiquei sem apoio, apesar de recorrer à justiça, Funai e caciques. Nenhuma providência foi tomada. Tive que me arriscar para buscar minhas coisas no local, contando com o apoio de meu irmão, minha mãe e meu primo.

O Projeto Kaapora transformou uma área de pastagem de 27 hectares em zona de refúgio e conservação da vida silvestre, atendendo estudantes do Ensino Médio e cursos técnicos. Olinda trabalhava nos últimos meses no Projeto Alimentar para o Bem Viver, uma parceria com a Meli Bees Network Uk para a construção de um espaço de alimentação voltado para as atividades de desenvolvimento sustentável do projeto:

Estrutura da cozinha comunitária e espaços em construção do Projeto Kaapora, na TI Caramuru, que foram invadidos. Foto: Reprodução/ Site Projeto Kaapora.

Em fevereiro de 2023, após quatro anos de espera, o Projeto Kaapora havia recebido o serviço de extensão da rede de energia para poder atender às diversas atividades que necessitam de eletricidade:

Olinda e a equipe de profissionais que realizaram a instalação da rede elétrica do Projeto Kaapora. Foto: Reprodução/ Site Projeto Kaapora.

Em outubro de 2023, Olinda já havia registrado em suas redes sociais um incêndio na TI Caramuru. O fogo consumiu uma área em regeneração florestal espontânea, que fica cerca de 1,8 quilômetros de distância da APA do Projeto Kaapora. A extrema seca na região, as altas temperaturas e os ventos fortes são fatores que contribuíram para que o incêndio se espalhasse. Por sorte, a área do projeto não foi atingida. A situação foi levada para a Funai e IBAMA, com imagens feitas por drone, provando o crime ambiental. Nessa época, muitas áreas do Sul da Bahia sofrem com queimas criminosas de pastos e florestas, a fim de descaracterizar o bioma da Mata Atlântica em regeneração:

Foto: Reprodução/ Instagram Projeto Kaapora

Dentre os trabalhos, o Projeto Kaapora realizava o controle de capim e diversos matos na área de reflorestamento via Sistemas Agroflorestais (SAF), preparando a área para plantio das mudas doadas. Ao longo desses oito anos, muitas mudas, oriundas de trocas de sementes e dos saberes dos mais velhos da comunidade, já haviam se tornado belas árvores. Mas, todas as espécies foram cortadas durante a invasão criminosa:

Foto: Reprodução/ Instagram Projeto Kaapora.

RY – Olinda, para finalizar, quais os planos futuros para o Projeto Kaapora?
Olinda Muniz TupinambáO Projeto Kaapora vai se tornar itinerante. Ganhamos um edital para formação em agrofloresta e meliponicultura e, infelizmente, vamos ter de realocar para outra comunidade indígena. Vamos oferecer cursos online, presenciais e trabalharemos para comprar um terreno para a associação que formamos, que se chama Okara Kaapora. Continuaremos realizando ações sociais para toda a comunidade, incluindo ações beneficentes, e ações ambientais, como recuperação e restauração ambiental. Mantemos o Okara Kaapora com as doações de seus membros, mas também aceitamos trabalho voluntário, doações de outras pessoas e de empresas e do governo, convênios e outras formas de transferência de recursos diversos para atingir os objetivos de nossas ações, para cuidar de nosso planeta, incluindo as pessoas que vivem nele.

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