Identidades negadas – Última parte

*Por Dauá Puri

Dauá Puri, durante etnovivência no Jardim Botânico da UFJF – Juiz de Fora (MG). Foto: Festival Sala de Giz e Teatro.

Ao chegar ao campo de pesquisas, encontramos a maioria das famílias silenciosas, onde os pais e avós, não mais vivem e os parentes vivos, negam suas origens com afirmativas do tipo:

– Você meu filho não é índio, pois não pari índio, pari um branco. Falar de índio é coisa ultrapassada, pra que viver do passado?

As dúvidas continuarão entre os descendentes, pois não sabemos de onde viemos e quem somos, como entre tantas outras desculpas usadas para disfarçar a opressão. Mesmo quando você se identifica como Puri, sua família não o aceita, porque só reconhecem as origens europeias e renegam a identidade indígena, tornando invisível e excludente no meio em que vive. As memórias foram apagadas?

Não, elas estão vivas e são acessadas no subconsciente das lembranças de infância, no contato com seus pais, mães, avós e avôs, nas estratégias de sobrevivência, na arquitetura da casa onde viviam, nas histórias orais do campo, nos tratamentos de saúde com ervas medicinais, nos chás e xaropes, nas simpatias de cura, nos costumes sociais de liberdade, na troca ou venda de alimentos ou animais, nas festas de terreiro com pios, violas de taquara, nos batuques. São acessadas nos rostos e cabelos longos das avós e na fala diferente delas, sem sabermos de onde tinham vindo e na sua língua que não era aceita pelos colonos.

Este trabalho de busca as origens vem de encontro a uma realidade bem peculiar da região sudeste brasileira, que aconteceu desde o período colonial, de apagamento das identidades dos povos originários que aqui se encontravam. Como proposta, trouxe para você um relato de experiência com a cara Puri Adará Puky“, livre, desbravador, agricultor e cultuante da terra “Uchô“. Onde vamos encontrar a ressurgência da língua e da identidade de um povo do sudeste.

As conexões acontecidas. E a presença.

*Colunista da Rádio Yandê, Dauá Silva é da etnia Puri, do Rio de Janeiro. Um “contador e caçador de histórias”, Dauá é escritor, poeta e compositor, pesquisador da história e língua da etnia Puri, povo originário na região sudeste. Lançou o primeiro livro bilingue Puri/Português Tempo de Escuta – Alkeh Poteh e Histórias infantis, além de outras publicações. Esse artigo faz parte de sua investigação “Cultura indígena do sudeste, memória e sua guarda – Os Puri e sua Identidade”. Dauá é dinamizador cultural e membro do Movimento Indígena do Rio de Janeiro.

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