Identidades negadas – Parte I

*Por Dauá Puri

Dauá Puri, durante etnovivência no Jardim Botânico da UFJF – Juiz de Fora (MG). Foto: Festival Sala de Giz e Teatro.

Território e Cultura Puri

Durante mais de 400 anos, o Rio de Janeiro resiste aos estranhos invasores. Sua beleza e formas esbeltas oxigenam a cidade com a alma indígena que banhava o Rio Carioca no Catete, onde a última Aldeia Uruçumirim caiu. E, foi bem aqui, na baia de Guanabara, que se organizou a Confederação dos Tamoios, lideradas por Aimberê, e Cunhambebe Tupinambá, e que obteve duas vitorias importantes, derrotando os invasores em  batalhas. Eles pedem trégua e formalizam um tratado de paz com os indígenas, mas logo depois, os invasores o quebram, com reforços vindos da Bahia (Mercadante, 1973,p. 36).

Obras de Jean-Baptiste Debret: “Botocudos, Puris, Pataxós e Maxacalis” e “Bugres, província de Santa Catarina” – Imagens: Domínio Público/Catálogo BBM-USP

A riqueza de detalhes de algumas descrições deixa bem límpida a forma estereotipada de encarar o início como um ser inferior, bizarro, animalizado”(Debret, 1978, p.10). Consideramos importante apresentar o curioso comentário de Debret sobre os Puris, colocado logo após a gravura Mulher Puri cuja expressão “abobalhada corresponde a uma degeneração parcial da raça primitiva” (Souza, 2003, p. 55).

A convivência de interculturas há muito tempo vem sendo vivida entre as nações, em nosso território. Há centenas e milhares de anos existem vestígios da presença humana averiguadas pela arqueologia e antropologia. Com dados coletados de pinturas rupestres, de narrativas, de vivência desses povos antigos comprovando já uma presença de literatura escrita na pedra ou na árvore, de cenas do seu cotidiano. Instrumentos, artefatos e vestimentas em diversos tecidos são provas de um patrimônio material anterior a chegada dos europeus ao continente de Pindorama ou Uchô Tlamura (terra vermelha em Puri), que comprovam suas existências. Invisibilização estratégica para dominação.

Nos estudos antropológicos, o reconhecimento e valoração dos conteúdos que apreendemos e subtraímos, não são lembrados os povos informantes nas suas referências. Podemos também refletir sobre os registros das plantas, das ervas medicinais, do unguento e chás usados milenarmente pelos povos originários daqui, que foram patenteados, vendidos pelos laboratórios e não retornam com investimentos para o povo do campo. Contribuição para a ciência.

Havia a existência na região sudeste do povo indígena da etnia Puri, pertencentes ao tronco linguístico Macro Jê, que só foram contatados pelos viajantes na expedição imperial de exploração no período 1800. Fizeram registros da flora e fauna em várias especialidades: biólogos, geógrafos, botânicos, ciências naturais, zoólogos, ornitologistas, antropólogos deram uma grande contribuição para a ciência. E o descobrimento do uso da Poaia pelos Puri, planta para tratamento de saúde do povo, hoje em extinção, logo foi assimilada pelos euros, abrindo o primeiro processo de exportação do sudeste, tendo como coletores os nativos Puri das matas dos Geraes.

A nossa história continua…

DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil I, Trad. Sérgio Milliet. Belo Horizonte; São Paulo, 1978.
MERCADANTE, Paulo. Os sertões do leste: estudo de uma região: a mata mineira. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1973.

*Colunista da Rádio Yandê, Dauá Silva é da etnia Puri, do Rio de Janeiro. Um “contador e caçador de histórias”, Dauá é escritor, poeta e compositor, pesquisador da história e língua da etnia Puri, povo originário na região sudeste. Lançou o primeiro livro bilingue Puri/Português Tempo de Escuta – Alkeh Poteh e Histórias infantis, além de outras publicações. Esse artigo faz parte de sua investigação “Cultura indígena do sudeste, memória e sua guarda – Os Puri e sua Identidade”. Dauá é dinamizador cultural e membro do Movimento Indígena do Rio de Janeiro.

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