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Entrevista: Eá Borum Krenak conta a antologia indígena em quadrinhos

A Rádio Yandê conversou com o quadrinista brasileiro e ilustrador, sobre o projeto “Territórios Compartilhados: Antologia Indígena em Quadrinhos”, selecionado no edital Rumos Itaú Cultural 2023-2024.

Foto: Arquivo Pessoal/Eá Borum Krenak

Ocupar territórios simbólicos e carregados de sentidos por aqueles que, tradicionalmente, não os têm: os cidadãos indígenas. Ocupar com a arte é uma linguagem-resistência nos traços de Eá Borum Krenak. Inspirado na oralidade e reconhecimento de parentes e seus talentos artísticos para combater a indústria cultural de massa, Borum espalha a poética de seu povo através das histórias em quadrinhos. O artista é um dos selecionados da 20ª edição do “Rumos Itaú Cultural 2023-2024”, que contou com 9 mil 389 projetos inscritos de todo o Brasil. A proposta de Eá Borum, chamada “Territórios Compartilhados: Antologia Indígena em Quadrinhos”, deve impactar a região do Rio de Janeiro. É uma forma de lutar pela preservação da cultura e do respeito ao Território Originário, muito antes do reconhecimento no capítulo VIII, artigo 231 da Constituição Federal. A inspiração de Borum vai além do tempo e dos vultos, como ele mesmo diz. A Rádio Yandê conversou com o artista. Confira!

RY- Borum, por que você escolheu o meio das histórias em quadrinhos, a HQ, para abordar a narrativa indígena?
Eá Borum Krenak – As histórias em quadrinhos constituem um meio cuja potência está aberta a proposições experimentações que, em outros contextos, conhecemos bem. Migrar da oralidade, do sonho e da visão proporcionada por nossa tradição compartilhada da medicina ancestral, seja ela o tabaco, o rapé, a jurema, o caapi/kamarampi (conhecidos popularmente como ayahuasca), são exemplos de como já utilizamos diferentes meios para trazer do imanifesto de nossas cosmovisões. Seja nas paredes das rochas, nas pinturas de jenipapo e urucum, ou entre quadros e balões de diálogos, nosso modo de ser e ver nosso mundo e as interrelações com os demais povos humanos, animais, vegetais e imateriais. Isso é o que permanece. Desde os primeiros quadrinhos feitos no Brasil, nos quadrinhos de Zé Caipora, personagem criado por Ângelo Agustini em 1883, nós, indígenas, éramos apresentados como personagens em um contexto abolicionista e carregado de romantismo. Já está na hora de sermos nossos próprios protagonistas, roteirizar nossas narrativas sem passar por mediações outras que não a da língua portuguesa (só por estratégia de alcance).

RY– E quais são os principais temas que você explora na antologia?
Eá Borum Krenak – Até o momento, temos uma diversidade de temas a serem trabalhados: a visão da mulher indígena em contextos de trabalho, maternidade e resistência cultural, a causa da acessibilidade aos parentes com deficiência, o resgate ancestral de tradições quase desaparecidas, o sonho, as cosmovisões e possíveis futuros, são alguns dos temas já sinalizados. Temos artistas que já trabalham com as mídias próprias dos quadrinhos, a exemplo da parente e artista Tai Silva, de Manaus, no Amazonas, e o coletivo Acessibilindígena que publica web cartoons sobre o tema da visibilidade da pessoa com deficiência no contexto indígena. Temos também aqueles que estão migrando pelas narrativas, que já se identificam como multimídias e que vieram somar forças ao projeto.

RY – Como você espera que essa antologia contribua para a representação e reconhecimento das culturas indígenas na sociedade contemporânea?
Eá Borum Krenak – Se trata de uma ocupação do território midiático. Eu espero que todos aqueles que estejam a procura de nossas narrativas vejam o que temos para mostrar. Seria maravilhoso ter nossas histórias nas escolas dos diferentes Territórios Indígenas e, pela primeira vez, nossos jovens se identifiquem com o que estão lendo e vendo, não apenas aceitando um conteúdo sem conexão com a vida dos povos indígenas. A ideia é que mais parentes se apropriem e espalhem suas narrativas por si. Tirarmos da indústria cultural a premissa de falar por nós. Nós podemos e precisamos tomar esse espaço para nós mesmos.

RY– Borum, você enfrentou muitos desafios para desenvolver esse projeto?
Eá Borum Krenak – Primeiro, a credulidade dos agentes de fomento quanto a pertinência do projeto. Contudo, somente de 15 a10 anos para cá é que vemos um ambiente crescente de artistas indígenas produzindo suas histórias e um mercado de quadrinhos ainda desconfiado abrindo seus espaços para novos artistas. Se antes era difícil furar a bolha editorial, das gráficas e das distribuidoras dos quadrinhos – quem lembra das bancas de jornal, mal lembra das publicações de quadrinhos nacionais vendidas nelas, pois não chegavam ou não conseguiam concorrer com o material internacional distribuído em larga escala – hoje, com a internet, é mais fácil chegar ao leitor. Mas, ainda é complicado vender a publicação e disputar com espaços viciados de revenda, com pouca tradição dos quadrinhos indígenas e manter esses artistas em atividade.

RY – E o que o leitor vai encontrar? Você pode compartilhar com a gente, um exemplo de uma história ou personagem presente na antologia? Por que ela é significativa para você?
Eá Borum Krenak – Posso dizer que haverá uma reinterpretação presente na cosmovisão dos parentes Borum do Vale do Rio Doce, onde o tempo mítico se confunde com o tempo histórico. Quantas almas nós temos em uma mesma vida? Esta história não tenta explicar os mitos ou os acontecimentos que nos fizeram chegar até onde estamos, mas atravessar as tantas realidades que compartilhamos, nem todas apaziguadas.

Uma das páginas que compõem a HQ “Territórios Compartilhados: Antologia Indígena em Quadrinhos”, de Eá Borum Krenak. Foto: Arquivo Pessoal.

RY – Como o contexto de Paraty e do Rio de Janeiro influenciou a criação dessa obra?
Eá Borum Krenak – Ambas as cidades são como salas de aula com resquícios do que é o colonial estrutural, ao menos para mim. No Rio de Janeiro, eu pude ter acesso à uma educação pública de qualidade, um tanto desarraigado da realidade, mas muito mais inclusivo que em tantas instituições brasileiras nos anos 1990 e 2000. Estudei arte, e meio que por acidente, estudei os registros históricos das questões indígenas que resultaram na diáspora dos meus parentes e tantos outros dentro do território nacional. Acredito que Paraty seja o local oportuno para desenvolver a ideia inicial do projeto. É uma cidade cujo passado colonial ecoa tais relações. O espaço para a literatura, como a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), poetas e quadrinistas que admiro, agregam esse valor de resistência e busca por afirmação da identidade através da arte. Resumindo, esses locais são carregados de uma história bruta de passado colonial, de embates, de traições… E, não é por coincidência que eu me alinho aos que estão na contracultura desse pós-colonial para, justamente, descolonizar o que está aí posto.

RY – Na sua visão, qual é o papel da colaboração e do compartilhamento de histórias dentro da comunidade indígena neste projeto?
Eá Borum Krenak – Seria o papel estratégico, capital de todo o projeto. Nós, indígenas, historicamente falando, carregamos conosco séculos de embates e capítulos de resistência contra a imposição do programa colonial. As chamadas confederações indígenas e as lutas contra a opressão colonial é a prova disso. Temos que cultivar essa tradição de trabalharmos juntos contra o desaparecimento de nossas narrativas e de nosso modo de ver, viver e existir sobre o território. É um projeto de muitos e que não se encerra em nós mesmos.

RY – Como você equilibrou a preservação das tradições culturais indígenas com a inovação criativa nas histórias em quadrinhos?
Eá Borum Krenak – (Risos) Quem disse que está equilibrado? É um constante processo de aceitação do desequilíbrio! Eu cresci no ambiente urbano do Rio de Janeiro. Minha infância foi brincar em cima do campo de batalha onde foi a batalha Tupinambá contra os portugueses. Sentia que estava preso aquele lugar, entre a Praça Paris e Praça do Russel, na Glória. Foi quando entendi as questões que se projetavam até os meus dias, e quando pude assimilar a tradição dos meus avós maternos Borum Krenak, entendendo os porquês de tantos traumas e silenciamentos. Ainda tenho uma dívida com a memória de minha avó paterna. Penso que o uso das mídias deve ser pautado por nós indígenas pelo alcance estratégico que essas nos permitem, ou então vamos cair no consumismo dessas mesmas tecnologias. Acho que é hora de mexermos nessas feridas e curarmos o que ficou abafado pelo tempo. Resgatar tradições, aproximar os parentes, fortalecer o vínculo com o território e, quem sabe, recuperar histórias apagadas dentro e fora das comunidades indígenas são possibilidades de ação que podemos implementar utilizando estrategicamente dessas mídias, sem perder o vínculo com as práticas tradicionais. O vídeo documentário não é melhor que ouvir as histórias do Xeramõi (o avô, o mais velho em Guarani), na casa de reza, mas abrange o alcance e o discurso. Aceito aquilo que me faz chegar onde quero estar, e quando não me leva até lá, mudo a estratégia.

Foto: Arquivo Pessoal/Eá Borum Krenak

RY- Borum, como essa antologia poderá impactar a percepção do público sobre as questões indígenas?
Eá Borum Krenak – Não tenho certeza da recepção desta obra, mas não acho que seria diferente da recepção de outras ações indígenas no âmbito cultural, intelectual e das mídias. Estou preparado para o enfrentamento, o questionamento clássico e classista da legitimação, aquelas perguntas enfadonhas sobre ser ou não indígena e porque estaríamos nos apropriando de um meio de comunicação dos não indígenas para falar ao nosso povo. Esse questionamento é inerente ao fato de estarmos buscando nossa visibilidade na sociedade. Acho até que esse confronto já se tornará normalizado (risos). Talvez, o leitor mais desavisado espere algo folclórico, ou quem sabe uma obra naïf, acrítica, onde a onça vem beber água em uma aldeia genérica, mas não será bem isso que encontrarão.

RY – Para finalizar a nossa prosa e agradecer a gentileza dessa entrevista, queremos saber quais são seus planos futuros: vai continuar o projeto “Territórios Compartilhados: Antologia Indígena em Quadrinhos”, após o término da história?
Eá Borum Krenak – A ideia é expandir e retomar mais territórios simbólicos, seja nos quadrinhos ou em outros suportes. Serão feitas quantas antologias forem necessárias, conforme encontrarmos quem queira apresentá-las. Vejo esse projeto como uma arte em processo, em que a expansão se dá a medida que expandimos o território. Esse é o propósito: um território compartilhado e expandido entre os parentes!

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