*Por Ybypotyrá Anté Kren
Hoje quero contar para você sobre o documentário “Brotando da Terra” (2024), que será lançado nesta quinta, dia 16, no Território Guerém. É um ensaio autoetnográfico, produzido em formato de um vídeo-performance, que resplandece a performance-participação de Mãinha, Dona Maria José dos Santos, e de Painho, Orlando Melo dos Santos, além de alguns mestres e mestras dos saberes ancestrais Guerém, como Mestre Briso, Mestre Cremetino, Mestra Dona Davina, Mestra Dona Macimina, a minha avó Mestra Dona Santa e de parentes indígenas que se unem na luta pela retomada de nosso território ancestral.
O povo Guerém está situado no Baixo Sul da Bahia, no município de Valença. A pensadora Laudiceia da Vitória Pagehú Alves (2020), destaca a presença de famílias Guerém na territorialidade dos Pataxó Hãhãhãe. Esses parentes residem no Posto Indígena Caramuru Paraguaçu, e pode-se afirmar que são originários da região de São Fidélis, em Valença, onde ainda hoje existe um território com o mesmo nome da etnia: distrito Guerém criado pela Lei Provincial nº 300, de 23 de maio de 1848.
Criando formas de se autorepresentarem enquanto povo, os Guerém têm publicizado em diferentes gêneros e formatos uma escrita de si como forma de voltar a viver na história. O documentário “Brotando a Terra” (2024) é produzido em co-laboração com Zai Moura, graduando do curso de Cinema pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. O objetivo central é compilar um arquivo representativo da minha ancestralidade Guerém, por meio da inserção de documentos, memórias, performances e poesias. A obra audiovisual surge a partir do confronto/encontro com um baú deixado por meus antepassados, contendo valiosos registros pessoais da minha família.
No entanto, apesar da vastidão dos documentos encontrados no baú, apenas dois deles foram incluídos no projeto final — a fotografia de meu bisavô e uma receita de banho de folhas. Essa seleção foi feita durante a elaboração do roteiro do documentário, quando percebi que esses documentos eram cartas de meus ancestrais que contém segredos que não devem ser compartilhados com o público. Muitas delas são rituais de proteção. Mistérios e encantos.
Todo esse processo germinativo foi doloroso: foi difícil olhar para o meu corpo e reconhecer traços originários, fenótipos que remetem à imagem de um índio. Eu não tenho cara de índio! Eu tenho braços, pernas, nariz, ouvidos, boca, um corpo ancestral Guerém. Com isso, quero afirmar que a identidade Guerém não está ligada ao tom de pele; o que nos torna indígenas é o envolvimento que temos com o território e com nossas práticas ancestrais.
Sendo assim, neste breve texto, gostaria de responder àqueles que têm curiosidade e interesse em entender sobre a identidade Guerém. Nós continuamos vivos com corpos, tons e subjetividades plurais. E sim, eu tenho pele negra e cabelo crespo; meu corpo não reflete a identidade pré-colonização. Sou filho de duas ancestralidades, negra e indígena. Com isso, não quero romantizar a miscigenação, mas também não posso negar que essa é a realidade do meu povo. E ninguém tem o direito de negar que somos indígenas Guerém.
Assim, ao confrontar o imaginário colonial que relega os indígenas do Nordeste a um papel marginalizado e estereotipado, as produções culturais e literárias Guerém reafirmam a importância de reconhecer e valorizar a diversidade étnica e cultural do Brasil. Ao retomar e celebrar suas tradições, os Guerém desafiam as narrativas hegemônicas e reivindicam seu lugar como protagonistas na construção de uma sociedade mais inclusiva e justa. Portanto, podemos concluir que a obra “Brotando da Terra” (2024) é um arquivo-vivo da resistência indígena e uma fonte vital de conhecimento e inspiração para as gerações presentes e futuras.
Referências
ALVES, Laudiceia da Vitória Pagehú. Trajetória Gueren (1500-2020): história de sobrevivência até o território pataxó Hãhãhãe. 2020. 61 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Formação Intercultural Para Educadores Indígena, Habilitação em Língua, Artes e Literatura.) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020. Orientador: Guilherme Trielli Ribeiro.
*Ybypotyrá Anté Kren é colunista da Rádio Yandê, pertencente ao povo Guerém. É mestrando em Literatura e Cultura na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisa e performa a Arte-Literatura Guerém.
Respostas de 2
Parabéns parente! Excelente trabalho realizado em nosso território!
Parabéns guerem