Como se faz um território ?
Somos movidos pela força dos afetos em territórios que são feitos por poderes que constantemente violentam espaços do outro em seus modos de ser. Vivemos imersos e submersos na diáspora das consciências, identidades e culturas.
Quantas gaiolas nos aprisionam, violentam, sufocam ou impendem de ver quem somos ?
Nosso verdadeiro rosto recebe muitos socos ao longo da vida, existe um desfiguramento da nossa existência nesta longa e as vezes breve passagem pelo mundo. Aqueles que possuem raízes são como árvores que conseguem ficar de pé. O desmatamento não ocorre apenas na floresta, quando compreendemos que somos a floresta e que nosso rosto é face também da natureza podemos então reconhecer aquilo que constantemente os espelhos e selfies nós impedem de ver.
Pela força do afeto também surge desafeto, entre encontros e desencontros que cerceiam nossa raíz roubando nosso rosto e afogando nossas vozes em mares até então desconhecidos de territórios nunca antes vistos por nossos antepassados. Percebo então a potência de nossos encantados e simplicidade de viver capaz do transcender. Pela fome de essência presente em nós indígenas abrimos todas as caixas que tentam nos guardar em uma redoma não de vidro mas de papelão provocando mofo ou de arame ferindo nossa pele, violando o espaço de nossos corpos.
As cercas são impostas por aqueles que acreditam que existem fronteiras e fazem delas formas de exercer poder, são cercas fitadas ainda no período colonial em nosso pensamento. Elas discriminam todos, fazem da diferença um defeito, a cor da sua pele seja mais clara ou escura, você sendo mais alto ou baixo, seu cabelo sendo cacheado, liso ou não. As diferenças são expostas, condenadas na Ágora da opinião pública adestrada pelos poderes, julgadas e apontadas com cara feia de reprovação. Como se fosse errada a pluralidade, diversidade e todos devessem ser iguais na expressão ou da forma que alguns desejam impor que outras pessoas devem ser, seja na orientação sexual, religião, aparência física, escolha politica e até mesmo na vida.
Ora, o estado se diz laico mas o cenário de divisões e de constante tentativas de homogeneização revelam pedras e vidros que são quebrados pelas mesmas mãos que afirmam que existe laicidade. Quando é imposta apenas uma religião nas escolas e um modo de ser no país de 305 povos indígenas, mais de 250 línguas e uma diversidade de cores, religiões, crenças, corpos, identidades, nacionalidades e culturas invejada por outros países.
Pessoas são dominadas quando se consegue torná-las um rebanho então sempre vão obedecer o que é imposto por aqueles que criaram o rebanho. Integração forçada é para cegos e surdos ao que a terra fala e mostra. É fetiche daqueles que usurpam recursos naturais e precisam que as pessoas esqueçam quem são. A maior censura que sofremos é aquela que não nos permite que sejamos quem somos.
E quem somos ?
Guardiões da memória, história, alegrias, dores, vitórias, liberdade, identidade, cultura, saberes, tradições, gente de todos os tipos, jeitos, cores, lugares e crenças. Da aldeia a cidade, da cidade até aldeia, todo lugar que o sol chega, a chuva molha e cresce vida na terra é nosso território. Mas ele não é apenas um espaço geográfico, físico ou espiritual, carregamos também as terras ancestrais em nosso pensamento, forma de estar no mundo, produzimos territórios a cada palavra, cada canção tradicional solta no vento, e todo lugar que mostramos nossa verdadeira face como um ato de sobrevivência fazemos de muitas formas está nossa resistência territorial.